1964 -1985, 21 Anos de Repressão. O Brasil Subjugado por uma Elite Ignorante, Histérica e Devastadora

Golpes Militares na América Latina : Brasil (Série)

A elite brasileira sempre foi antissocial, antinacional e antide­mocrática. Florestan Fernandes (1920-95)

A luta política é também uma batalha por impor uma narrativa sobre o passado, o presente e o porvir, uma vez que é uma narrativa sobre o tempo que virá. Silvia Adoue, professora da UNESP e da Escola Nacional Florestan Fernandes

Quem controla o passado, controla o futuro. George Orwell, político inglês.

Povo que esquece seu passado, está condenado a vivê-lo novamente. Nicolás Avellaneda, jurista argentino (1837-85)

Subitamente, sua casa foi invadida por mais de uma dezena de homens, armados com fuzis, metralhadoras e pistolas. Afinal, tratava-se de subversivos de alta periculosidade. O resultado: mãe e casal de filhos são sequestrados por agentes do Estado.

Seria possível qualificar esses agentes do Estado, em pleno exercício da função, como sequestradores? Não havia acusação formal contra a mãe, e os filhos não tinham mais do que sete anos de idade. A ação poderia ser considerada ilícita? De forma alguma: eles agiam em nome da Segurança Nacional, eram arautos da democracia contra a agitação comunista.

A mulher subversiva e seus filhos são levados a um espaço estatal de custódia. Os pequenos são imediatamente separados da mãe, que é conduzida à sala de interrogatório – este era o nome “técnico-jurídico” do recinto. Os agentes querem saber o paradeiro de seu marido, tido como um perigoso perturbador da ordem.

Ele havia fugido de casa sem dizer para onde ia nem quando voltava. Depois disso, não se falaram mais.

Mesmo sem ter ideia da localização do marido, essa mulher foi, durante três dias, submetida a espancamento, afogamento, choques elétricos na língua, mamilos e genitálias, teve o corpo queimado com pontas de cigarro e colocado no pau-de-arara. Todos expedientes legítimos. Afinal de contas, eram métodos de interrogatório, utilizados para viabilizar a prisão do criminoso. Como ela não “abria o bico”, ameaçaram torturar seus filhos. Tinham de obter informações, e rápido.

Os filhos foram conduzidos até a porta de uma sala. Quando aberta, depararam-se com uma mulher nua, sentada na Cadeira do Dragão – cadeira de metal para choques elétricos em sessões de interrogatório -, desacordada, o rosto disforme. Diante da cena, começaram a chorar; ficaram com medo, queriam ir embora. A “massa de carne” desertou com o choro das crianças. Quando abriu os olhos viu que eram seus filhos. Desesperada com o que poderia ser feito contra eles, chamou-os. As crianças reconheceram a voz e perceberam que o monstro disforme era sua mãe.

Tempos depois, já adultas, procuraram o Estado brasileiro em busca da “Bolsa Ditadura”.

(Revista Le Monde Diplomatique – Brasil, artigo Julgar os Crimes da Ditadura, de Rodrigo Gonçalves, pgs. 24 e 25 / Novembro de 2008)

Confiscaram a Bandeira do Japão, Pensando que Fosse a da China

Na invasão da Universidade de Brasília, militares confiscaram como indícios de subversão comunista: O Vermelho e o Negro, romance do escritor francês Stendhal (1783 – 1842); a revista de arquitetura Comunitas; e maior prova de comunização apresentada à imprensa, uma bandeira da China que encontraram hasteada na Faculdade de Educação – só que era do Japão, em homenagem a crianças japonesas que ali expunham gravuras.

Ferocidade no Recife

Poucas cidades registraram violências como a capital pernambucana – civis agredidos e até mortos em passeata. O líder camponês Gregório Bezerra, septuagenário, levou coronhadas e lhe queimaram os pés com soda. O coronel Vilocq amarrou-o com cordas e obrigou soldados a puxá-lo pelas ruas, enquanto o xingava e espancava com uma vareta de ferro, chamando o povo para ver “o enforcamento do comunista”. Religiosos, horrorizados, ligaram para o general Justino Alves Bastos, que impediu o suplício final.

Bíblia Subversiva

“O golpe sai vencedor. Autoridades organizam em Porto Alegre uma exposição com material dito subversivo, apreendido em casas de esquerdistas e militantes em geral. Lá está um livro, bem antigo, e ao lado a legenda: ‘Livro Subversivo’, em chinês.” Era uma Bíblia, em hebraico.

(Revista Caros Amigos – A Ditadura Militar no Brasil, nº 1)

A violência é o medo dos ideais dos demais. Mahatma Gandhi
I. Antecedentes do Golpe

Às vésperas do golpe militar de 1964 no Brasil, o mundo vivia o auge da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética: os gastos militares nesses países atingiam seus maiores números, e a Revolução Cubana de 1959 causara grande impacto na política norte-americana na América Latina, onde a oposição ao sistema norte-americano intensificava-se. Anos mais tarde, o presidente norte-americano Richard Nixon (1969-1974) diria: “Para o lado que pendesse o Brasil, para lá seguiria toda a América Latina”.

Dentro do Brasil, Getúlio Vargas (1950-1954) iniciou o mandato buscando manter contato cordial com os EUA. Em 1951, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou ao Brasil o envio de tropas para combater os comunistas na Coréia, o governo brasileiro, que dentro do país combatia duramente o comunismo, negou-se a participar do conflito. Isso começou a gerar mal-estar nos norte-americanos. Somado a isso a política nacionalista, restrição drástica do capita estrangeiro, que deveria estar associado a capitais nacionais para entrar no país, e a limitação da remessa de lucros das multinacionais para o exterior, as elites, os militares e o governo dos EUA passaram a criar ambiente propício a um golpe de Estado. Em 1953, criou a Petrobras, empresa estatal que monopolizou a extração e a refinaria de petróleo. A partir de então, o clima no Brasil tornou-se mais hostil.

Em 1954, após tentativa de assassinato de um opositor de Vargas e acusação de que o presidente seria o mandante do crime, houve o Manifesto dos Coronéis:

“O povo está na rua reclamando a punição dos criminosos, exigindo justiça. Temos agora, mais do que nunca, que exigir do presidente a renúncia do cargo que ele não soube honrar (…). A conclusão já é certa e obrigatória: não é necessário maior apuração dos fatos. A responsabilidade moral do presidente da república! Esta é definitiva (…). [Ele] está moralmente incapacitado de presidir este inquérito, dadas as suspeitas [grifo nosso] que recaem sobre sua excelência e pessoas de sua família (…). A renúncia é a solução que afastará a possibilidade de subversão, anarquia e golpe”.

Na manhã de 24 de agosto do mesmo ano, Getúlio Vargas suicidou-se no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Grandes manifestações populares garantiram, de certa maneira, que a transição do poder se desse dentro da legalidade, e João Café Filho assumiu a presidência, adiando o golpe militar por dez anos.

Em 1960 Jânio Quadros presidente, pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional) e João Goulart vice, pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Naquela época, elegia-se presidente e vice separada e diretamente pelo voto popular. Jânio e Goulart receberam de Juscelino Kubitschek (1956-1960) grande e crescente dívida externa, alto índice de inflação e, consequentemente, grande instabilidade social.

A modernização tecnológica implantada por Kubitschek, através da construção de hidrelétricas, da instalação da indústria automobilística e da inauguração da Brasília, criou grandes concentrações urbanas, que passavam a se organizar em sindicatos para exigir seus direitos. O Plano de Metas de Kubitshek deixou totalmente de lado a educação e a agricultura, abriu a economia ao capital estrangeiro e acentuou a concentração de renda.

Jânio Presidente

Jânio ficou apenas sete meses no cargo de presidente. Havia sido vereador, prefeito e governador de São Paulo. Mantendo sua peculiar personalidade moralizante austera e cheio de carisma, assumiu o posto criticando duramente a situação por que atravessava o país. No plano econômico, impôs medidas de combate à inflação através de reforma cambial, restrição ao crédito, redução dos subsídios ao trigo e ao petróleo, o que atraiu o FMI, facilitando a negociação da dívida externa e a obtenção de novos empréstimos. Tais medidas de Jânio acabaram levando à recessão e maior descontentamento popular, mais inflamado ainda com a proibição de biquíni nas praias e de uso do lança-perfume no Carnaval.

Ao mesmo tempo que houve aproximação do FMI, Jânio buscava maior independência dos EUA, considerando a possibilidade de formar bloco autônomo com a Argentina.

Somado a tudo isso a condecoração do presidente a Che Guevara, uma ofensa à elite brasileira já que o guerrilheiro argentino foi um dos principais heróis da Revolução Cubana, gerando mais instabilidade ao governo e, alegando “pressão de forças terríveis”, Jânio surpreendeu toda a nação com pedido de renúncia, em 24 de agosto de 1961.

Jango Presidente e Prenúncio do Golpe

Além de toda a agitação social e sérios problemas econômicos, ao novo governo foram acrescidos os gastos militares com a crise provocada pela renúncia: os militares tentaram impedir que João Goulart, popularmente conhecido como Jango, assumisse a presidência, apoiados em incandescente discurso anti-comunista já que o novo governante possuía ideologia progressista, com tendências bem distintas às de Jânio. Jango trazia na bagagem histórico de apoio à causa popular: como Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas (1950-1954), aprovou aumento de 100 por cento no salário mínimo, apostando na inserção da massa ao mercado como motor do desenvolvimento – nunca mais, até hoje, a participação dos trabalhadores na renda nacional voltaria a ser tão grande, percentualmente.

Perante a crise instaurada pelos militares quanto à posse de Jango, o Congresso Nacional propôs solução conciliatória: a mudança do regime político do país, do presidencialismo ao parlamentarismo. Deste modo, Jango, apoiado amplamente pela população, assume a presidência a 7 de setembro de 1961, em um momento dos mais delicados da história do Brasil, dividindo os poderes com Tancredo Neves do PSD (Partido Social-Democrático), primeiro-ministro por lei até 1965, quando haveria plebiscito para decidir pela continuidade do sistema ou retorno ao presidencialismo. Aceitando a medida de mudança do regime, Jango acabou facilitando a penetração de conspiradores do golpe militar para dentro de seu governo. “Viajo à capital sem marcar com o sangue generoso das famílias brasileiras as escadas que conduzem a Brasília”, disse o novo presidente.

Enquanto a inflação seguia subindo e o crescimento do PIB caía ainda mais, Jango segue de imediato as orientações do FMI, de combate à inflação, pagamento das dívidas, reequilíbrio das contas públicas, aumento da arrecadação de impostos e corte de despesas, um programa de estabilização impopular chamado de Plano Trienal, abandonado poucos meses depois sem apresentar resultados significativos.

Em janeiro de 1962, com amplo apoio popular, é antecipado o plebiscito relativo à manutenção ou não do parlamentarismo, e o presidencialismo vence com 10 dos 12 milhões de votos, o que significou mais de 90%. Logo, Jango recorreu a medidas nacionalistas e progressistas: reforma da Constituição, criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), reforma agrária, criação do 13º salário mínimo e da aposentadoria dos trabalhadores rurais (os quais viviam em situação de total abandono no campo). Tudo isso desafiava as recomendações da diplomacia dos EUA onde o Congresso, dominado por republicanos, e a classe empresarial pressionavam o presidente John Kennedy para ser mais rigoroso em sua política para com o Brasil. E a elite brasileira temia as reformas de base, apoiadas pela sociedade brasileira.

Enquanto no Brasil a oposição conservadora – a UDN (União Democrática Nacional), setores militares, e a Igreja Católica – isola-se, fora do país seguia o descontentamento norte-americano: em fevereiro, irritou-os mais ainda a encampação da International Telephone and Telegraph(IT&T) por parte de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul. O espectro do golpe estava vivo aqui, nos quartéis, nos gabinetes do Congresso, na imprensa, nas entidades empresariais e latifundiárias, e também na embaixada norte-americana, que olhava com total desconfiança o governo local. Desde 1961, houve multiplicação fora do comum de pedido de visto de cidadãos norte-americanos no Departamento de Estado daquele país para o Brasil, que entravam aqui como religiosos, jornalistas, comerciantes, etc. Há registros do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de que apenas em 1963 chegaram ao país 5 mil norte-americanos, somente dentre os que entraram legalmente. O embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, afirmou que à época do golpe de 64 havia “dezenas de milhares” de norte-americanos no Brasil. No início dos anos 1960, chegou ao Brasil Daniel Mitrioni, que houvera chefiado a Polícia de Richmond, Indiana, EUA. Tendo sido treinado pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), a Polícia secreta norte-americana, Mitrioni era especialista em técnicas de tortura – encerraria sua missão no Brasil em 1964.

Sucederam-se restrições econômico-financeiras por parte dos EUA. Empréstimos aprovados antes da posse de João Goulart só foram liberados parcialmente – de uma remessa de US$ 338 milhões aprovada em 1961, apenas US$ 40 milhões foram entregues. Quando Jango aprovou no Congresso em setembro do ano seguinte a Lei de Remessa de Lucros, sancionada em 1964, que restringia a 10% a remessa de lucros para o exterior do capital registrado, cresceu o furor do empresariado contra o presidente da República. O embaixador Gordon protestou com o presidente Jango por causa dessa medida – grande absurdo um cônsul discutir com um presidente qual lei deve vigorar dentro do país.

Em outubro de 1962, quando houve a crise entre EUA e Cuba devido às instalações de mísseis soviéticos na ilha latino-americana, o governo norte-americano cobrou de Jango uma atitude através de uma carta:

“Vamos trabalhar juntos pela segurança do continente”. Jango enviou em retorno amistosa mas direta carta a Kennedy recusando o pedido, alegando que a diplomacia brasileira partia do princípio de não-intervenção a outros países, respeitando sua soberania mas colocando-se à disposição para mediação entre os dois países. Entre outras coisas, a carta também dizia: “Acreditamos que o conflito ideológico entre o Ocidente e o Oriente não poderá e não deverá ser resolvido militarmente, pois de uma guerra nuclear, se salvássemos a nossa vida, não lograríamos salvar, quer vencêssemos, quer fôssemos vencidos, a nossa razão de viver.

“(…) É pois, compreensível que desagrade profundamente à consciência do povo brasileiro, qualquer forma de intervenção em um Estado americano, inspirada na alegação de incompatibilidade com o seu regime político, para lhe impor a prática do sistema representativo por meios coercitivos externos.

“(…). O Brasil é um país democrático, em que o povo e governo condenam e repelem o comunismo internacional, mas onde se fazem sentir ainda perigosas pressões reacionárias, que procuram, sob o disfarce de anticomunismo, defender posições sociais e privilégios econômicos, contrariando, desse modo, o próprio processo democrático de nossa evolução.

“(…) E nada seria mais perigoso do que vera OEA ser transformada em sua índole e no papel que até aqui desempenhou, para passar a servir a fins ao mesmo tempo anticomunistas e antidemocráticos, divorciando-se da opinião latino-americana.

“(…) Isso acabou irritando mais ainda os norte-americanos.”

Conspiração Norte-Americana às Últimas Consequências

Na embaixada dos EUA era frequente a visita de militares e empresários brasileiros pedindo ajuda econômica nos anos de Jango. E o jornalista Paulo Pereira Leite obteve em 2000 a transcrição, publicada no mesmo ano no jornal Gazeta Mercantil, de uma fita instalada no Salão Oval da Casa Branca em 30 de junho de 1962, onde o presidente norte-americano John Kennedy, seu assessor Richard Goodwin e o embaixador Lincoln Gordon, comentaram a preocupação com o governo Goulart. Na conversa, eles comentam a possibilidade de intervir economicamente nas eleições de outubro no Brasil, propondo uma quantia de US$ 8 milhões em favor dos candidatos alinhados às diretrizes de Washington. Kennedy achou alto demais o valor, que acabou sendo de US$ 5 milhões. No ano seguinte, houve uma CPI desmascarando a operação ilegal, descobrindo que os dólares entravam no país através do Royal Bank of CanadaBank of Boston e First National City Bank, com colaboração de empresas como Shell, Coca-Cola, IBM e Texaco. O dinheiro que deveria ser entregue ao governo de Goulart acabou sendo repassado aos cofres de seus adversários. Quanto ao resultado das eleições, o envio de dinheiro não adiantou muita coisa: a bancada “da esquerda” aumentou.

A CIA elaborou até um plano para assassinar Jango, afirma o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira em seu prefácio ao livro 1964: A CIA e a Técnica do Golpe de Estado, de Túlio Velho Barreto e Laurindo Ferreira (Ed. Massangana):

“Em 10 de outubro de 1963, à mesma época em que o Grupo Especial do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos autorizara novas operações de sabotagem em Cuba, os soldados do 1º Batalhão da Polícia do Exército brasileiro, sob o comando do major Ary Abrahão Ellis, vasculharam um sítio em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), perto de uma propriedade de Goulart, e descobriram 10 metralhadorasThompson, calibre 45, 20 carregadores, 72 caixas de cartuchos Remington Kleanbore 45, 10 granadas Federal Blast Dispersion Tear Gas(CN) e um radiotransmissor Motorola, marcado com o símbolo do programa Ponto IV, da embaixada dos EUA. O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, declarou que as metralhadoras Thompson entraram clandestinamente no Brasil, pois nenhuma daquele tipo existia nas suas organizações de polícia nem no seu Exército, cujos oficiais desconheciam todos aqueles modelos de armamentos, tão modernos que eram. E as investigações evidenciaram a existência de uma trama para a eliminação de Goulart e de seus filhos, bem como de muitos políticos e generais favoráveis ao governo. Não hã dúvidas de que a CIA estava por trás do complot.”

O Brasil Incendeia-se

As forças de esquerda e as de oposição no Brasil polarizavam-se cada vez mais. A esquerda fragmentava-se e afrouxava seu apoio a Jango, acusando-o de demasiadamente brando, esperando dele medidas radicais. Havia na época crescimento das reivindicações trabalhistas, dos conflitos no campo sobre reforma agrária, de movimentos de estudantes e da classe média, sendo o socialismo grande esperança em vários países do mundo inclusive no Brasil, entusiasmado com o que ocorrera sobretudo em Cuba em 1959. A ala conservadora atingia seu ponto mais agressivo em seu alarme anti-comunista, tendo como um de seus grandes porta-vozes o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda da UDN, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa.

Lacerda conspirou contra Getúlio, Kubitschek e Jânio, aspirando a presidência da República assim que os militares, conforme prometiam, promovessem novas eleições após a “limpeza ideológica”, devolvendo o Brasil aos civis de bem. A Polícia sob seu governo na Guanabara prendia presos e os matava afogados no rio da Guarda. Outros fortes opositores de Jango, e que trabalharam decisivamente para derrubá-lo foram o governador de São Paulo Adhemar de Barros, do PSP (Partido Social Progressista), político precursor do lema “Rouba mas faz”, com sua famosa “caixinha abençoada” que se tornou até marchinha de Carnaval, e o de Minas Gerais Magalhães Pinto (UDN), influente banqueiro que quebraria anos mais tarde, em 1966, tendo sido coberto com dinheiro público do Proer.

Em 13 de março de 1964 Jango fez um discurso moderado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, mantendo seu velho estilo pacifista mas direto, propondo reformas na estrutura econômica e social, progresso, melhores condições de vida e de trabalho, revisão das contradições que havia no Brasil, comentou sua Supra (Superintendência para a Reforma Agrária) que desapropriaria terras para a reforma agrária, enfatizando que para tudo isso haveria sempre “caminho reformista, pacífico e democrático””. Anunciou também o decreto da encampação das refinarias particulares de petróleo que, segundo ele, a partir daquele momento passavam a pertencer ao povo, e comentou ainda a reforma universitária, para a qual, ressaltou, havia encaminhado ao Congresso um decreto.

A 19 de março, aconteceu em São Paulo a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, com a participação de 300 mil pessoas e teve como seus grandes arquitetos a Igreja Católica, os militares e o governador paulista, Adhemar de Barros, que arrecadou dinheiro do empresariado do Estado.

“Família que reza unida permanece unida”, era o lema da marcha, uma das 49 que ocorreriam em todo o país entre março e junho de 64, em “luta pela manutenção da democracia” e para livrar o país dos “perigos comunistas”. Para a marcha em São Paulo veio dos EUA, acompanhado de um agente da CIA, o padre norte-americano Peyton, que rezou uma missa pela TV. Nela, pessoas levavam faixas com inscrições do tipo, “Vermelho bom, só no batom”, Verde, amarelo, sem foice nem martelo”, “Viva a democracia, abaixo o comunismo”. Enquanto a imprensa apavorava a todos: “O comunismo vem aí!” Sobre a Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, Lacerda disse: São Paulo começa a salvar o Brasil”. Tal marcha foi iniciada com o Hino Nacional e com uma Oração pela Salvação da Democracia, e então vieram os discursos. Auro Soares de Moura Andrade (PTN), presidente do Senado, falou por último, cujo discurso foi reproduzido exaustivamente por rádios, TVs e jornais: “Que sejam feitas reformas, mas pela liberdade. Senão, não! Pela Constituição. Senão, não! Pela consciência cristão do nosso povo. Senão, não!”. A mídia apoiou completamente o evento, classificando-o de defesa pela manutenção do regime.

A imprensa brasileira atingia o auge da manipulação das informações. Em São Paulo, as pesquisas do Ibope mostraram em 26 de março que metade dos eleitores da capital paulista reelegeriam Jango. A 30 de março, uma outra pesquisa do mesmo instituto apontou considerável aprovação do povo paulistano ao governo Jango, com 7% considerando-o ótimo, 29% bom, 30% regular, 7% mau, 12% péssimo e 9% não sabiam. , mas não há notícia de que tais pesquisas tenham sido publicadas pelos meios de comunicação à época. Brizola, deputado federal pelo Rio Grande do Sul e um dos aliados de Jango, em uma de suas viagens pelo país apoiando as reformas de base presidenciais, em março, foi impedido de discursar em Belo Horizonte por um grupo de senhoras religiosas e anticomunistas que carregavam o terço nas mãos.

A chamada Revolta dos Marinheiros, em 26 de março, pedindo a demissão do ministro da Marinha, Silvio Mota, agravou mais ainda a situação. Poucos dias antes, mais de mil marinheiros e fuzileiros navais realizaram uma assembléia no Sindicato dos Bancários, onde foram discutidas as reformas de base do governo Jango. Esse ato foi considerado pelos oficiais uma quebra de hierarquia – ironicamente, a Marinha puniu os subordinados por discutir medidas defendidas por seu próprio chefe e superior hierárquico, o presidente da República. Mota determinou no dia 24 a prisão de doze diretores, e posteriormente, dia 25, de mais 40 marinheiros. Estes sublevaram-se.

Perante todo esse quadro, já não faltava mais nada para o golpe militar.

II. O Golpe de 64

“Se os sargentos me perguntassem – estas são minhas últimas palavras – de onde surgiram tantos recursos para campanha tão poderosa, para mobilização tão violenta contra o governo, eu diria, simplesmente, sargentos brasileiros, que tudo isso vem dos profissionais da remessa ilegal de lucros que recentemente regulamentei através de uma lei. É do dinheiro maculado pelo interesse enorme do petróleo internacional.” (Presidente João Goulart, 30 de março de 1964, em discurso aos suboficiais e sargentos das Forças Armadas, proferida na sede do Automóvel Clube do Rio de Janeiro).

O golpe militar de 31 de março de 1964 pegou tanto Jango quanto os 80 milhões de brasileiros de surpresa. Esse golpe, que envolveu traição generalizada de militares ao governo inclusive por corrupção de chefes, foi dado sem nenhuma resistência por parte do povo, dos movimentos populares e dos partidos políticos.

Na madrugada de 31 de março, o general Olympio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar em Minas Gerais, sublevou suas tropas rumo ao Rio de Janeiro com apoio do governo mineiro a fim de depor o presidente da República. Mourão Filho houvera sido o capitão em 1957 quem, sob o governo de Getúlio Vargas, forjara conspirações comunistas para justificar o golpe que implantou o Estado Novo de Vargas. Em 1964, antecipou o golpe militar previsto por governistas para 1º de maio daquele mesmo ano.

Com a invasão das tropas ao Rio, Jango saiu de lá imediatamente, onde houvera tentativa de assassiná-lo, partindo a Brasília e depois ao Rio Grande do Sul com o intuito de buscar apoio. Mas constatou que havia uma cumplicidade surpreendente dentre os militares, não havendo possibilidade de resistência tampouco no Rio Grande. A Jango ainda foi sugerido que resistisse, em encontro com seus ministros, o general Ladário e Brizola, em sua terra natal. O general Ladário disse ao presidente: “Autorize-me a mim e a meus companheiros que enfrentemos isso, que possamos lavar com sangue a honra da nossa farda”. Observando claramente a total inércia de todo o país perante o golpe, convicto de que não haveria chance de sucesso, Jango recusou-se a permitir que seus companheiros fossem mortos, optando pelo exílio no Uruguai, dias depois.

Em 1º de abril, mesmo estando Jango ainda no Brasil, o Congresso Nacional declara ilegalmente a vacância do cargo presidencial. No dia seguinte, Ranieri Mazzili, presidente da Câmara, tomou posse como presidente da República. Assim, chegaram ao fim os 30 meses do governo João Goulart. E como nem poderia ser diferente, os grandes jornais comemoraram o golpe com um show ufanista: “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade. Legalidade que o caudilho não quis preservar (…). A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas” (Jornal do Brasil / 1º de abril de 1964), “A Revolução Democrática Antecedeu em 1 Mês a Revolução Comunista” (O Globo, 1º de abril), “Democratas Dominam Toda a Nação” (O Estado de S. Paulo / 2 de abril), “Lacerda Anuncia Volta do País à Democracia” (Correio da Manhã, 2 de abril), “Feliz a Nação que Pode Contar com Corporações Militares de Tão Altos Índices Cívicos (O Estado de Minas, 5 de abril). Apenas o jornal Última Hora foi fiel até o último dia a Jango, sendo extinto pouco depois pelos militares, através de depredação de sua sede e exílio de seu proprietário, após o golpe.

Na noite de março para 1º de abril, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, havia sido totalmente incendiada e metralhada por militares, e o presidente da UNE, José Serra, exilou-se no Chile enquanto a entidade seria substituída, em novembro daquele mesmo ano, por um diretório nacional subordinado ao Ministério da Educação. Maior prova de que a teste de “conspiração comunista” era absolutamente falsa, apenas pretexto para derrubar um governo democraticamente eleito, sem nada do que pudesse ser acusado e com amplo apoio popular, foi sua enorme fragilidade ao resistir ao golpe, uma completa passividade perante ele.

Na biblioteca Lyndon Johnson, no Texas, EUA, estão disponíveis ao público alguns telegramas trocados entre a embaixada brasileira e a Casa Branca na véspera do golpe, em 30 de março – há ainda documentos sigilosos com trechos “vetados” -. Um deles mostra que Vernon Walters, ex-militar que atuava no Brasil em aliança com militares antes do próprio golpe, mantendo relacionamento muito próximo com os golpistas, já sabia que o golpe seria dado a 1º de maio, assim como todos os detalhes do plano. O conteúdo desse plano acabou não sendo colocado em prática já que Mourão Filho antecipou o golpe, colocando tropas nas ruas antes do tempo determinado. Nas últimas horas do dia 30 de março nos EUA, o secretário de Estado Dean Rusk enviou telegrama à embaixada brasileira deixando claro que o governo norte-americano estava disposto a intervir em auxílio às “forças amigas” no Brasil.

Mais adiante na mesma mensagem, Gordon mostrou-se animado, “As coisas estão evoluindo muito rápido, com relatos aparentemente confiáveis de movimentos militares de Minas Gerais, plenamente apoiados pelo governador Magalhães Pinto e pela política estadual (…). Providenciei o envio de mensagem aos principais governadores sobre a importância do vital aspecto de legitimidade, dando ênfase ao desejável apoio político pela maioria do Congresso, se isso for humanamente possível (…). Estamos preparando recomendações sobre a possível necessidade de armas de munição (…).

“É muito importante que se presuma a posição de legitimidade daqueles que se oponham à influência comunista e a outros extremistas. É altamente desejável, portanto, se as Forças Armadas embarcarem em uma ação, que ela seja precedida ou acompanhada por uma clara demonstração de atitudes inconstitucionais por parte de Goulart ou de seus companheiros, ou que tal legitimidade seja confirmada por atos do Congresso (se este tiver liberdade para agir), por manifestações dos principais governadores ou por sinais que lhe confiram uma substancial característica de legitimidade. A respeito da assistência militar [norte-americana], os fatores logísticos são importantes.

“(…) Nesse momento é importante que o governo dos EUA não se coloque em uma posição que seria profundamente embaraçosa se Goulart, Mazzili, os líderes do Congresso e a liderança das Forças Armadas chegarem a um acordo nas próximas horas, o que nos deixaria marcados por uma tentativa canhestra de intervenção. (…)”

Minutos depois dessa mensagem, a Marinha norte-americana enviava ao porto de Santos no Brasil uma frota de navios, engajado em uma operação sugerida pelo próprio Gordon para atender aos pedidos de ajuda da embaixada brasileira. No dia 3 de abril, após desmobilização da operação naval dos EUA, desnecessária devido ao “sucesso” do golpe, o presidente Johnson manifestou no Salão Oval da Casa Branca sua alegria com o que ocorria no Brasil, em conversa com Thomas Mann, seu assessor:

Mann: – Espero que o senhor esteja tão feliz quanto eu com o Brasil.
Johnson: – Estou.
Mann: – Creio que é a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério sul nos últimos três anos.
Johnson: – Espero que nos dêem créditos, em vez de nos infernizarem.

De imediato, o governo norte-americano reconheceu a queda de Jango – mesmo estando ele ainda em território brasileiro, e declarou a legitimidade do novo governo no país.

Enquanto isso, os meios de comunicação nos EUA manipularam “eficientemente” as notícias, apoiando imediatamente o reconhecimento do governo Johnson ao novo governo militar brasilerio, publicando apenas alegações dos militares sobre a questão, e ignoraram as prisões e a violência em massa que ocorria, abordando o que acontecia como “golpe sem sangue”, que evitou uma guerra civil. A revista Reader’s Digestpublicou um artigo intitulado de “O País que se Salvou”. Em seu conteúdo, colocou o golpe como uma “cidadania rebelada pode livrar-se da ameaça comunista”.

III. Os Anos de Ditadura Militar

Nos 21 anos sob regime militar que se seguiriam, o Brasil seria subjugado por centenas de injustificáveis prisões, demissões, perseguições das formas mais sujas, mortes violentas e dezenas de milhares de torturas, e a liberdade de expressão e de informação seria implacavelmente cassada com várias alterações na Constituição para legalizar tanta arbitrariedade e crueldade contra todo e qualquer opositor ao regime. O sangue que Jango negou-se a derramar, os militares e a elite brasileira, títeres do governo dos EUA, não hesitariam em escorrer das maneiras mais frias e ferozes, manchando com o sangue inocente a história do nosso país.

Auto-declarada uma “revolução democrática”, o poder reacionário brasileiro precisava de dispositivos legais para a manutenção do regime a fim de não devolver mais o poder aos civis, como haviam prometido, e sufocar de vez a democracia. Deste modo, o Comando Supremo da Revolução (que se auto-definiu assim). editou já em 9 de abril o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que mantinha a base da Constituição de 1946 mas aumentava o poder do presidente, que podia suspender direitos constitucionais pelo período de seis meses, cassar mandatos de parlamentares e suspender os direitos políticos por dez anos, além de determinar que as eleições seriam indiretas, ou seja, o presidente não seria mais eleito pelo voto do povo mas sim por maioria absoluta do Congresso Nacional. Vale salientar que o Congresso se comporia apenas de figuras “agradáveis” ao novo regime que se instalava, até porque os congressistas que ousassem fazer oposição poderiam ser cassados já no dia seguinte ao AI-1, que limitava os poderes do Legislativo e do Judiciário, e também atingiu duramente os movimentos populares – estudantil, camponês e operário -. À imprensa grande reacionária e apoiadora do regime (assim como uma parcela considerável da população), ainda era concedida alguma “liberdade” de expressão (na prática, ela era porta-voz do novo regime e supervisionada por ele).

Castello Branco Presidente – “O que É Bom para os EUA, É Bom para o Brasil”
 

Aos 11 de abril, o Congresso votou pelo nome do general Humberto de Alencar Castello Branco presidente (1964-1967), um dos principais articuladores do golpe. Logo, a “ajuda” norte-americana cobrou seu preço: as Forças Armadas dos EUA realizaram levantamento aerofotogramétrico de vastas áreas do nosso território, ato de submissão que afetou gravemente nossa segurança e entregou à potência do norte o conhecimento pleno de nossas riquezas. Apenas dois meses após o golpe, a Câmara dos Deputados aprovou dois acordos que se encontravam engavetados: estabeleciam no Brasil a Missão Militar Norte-Americana e a Missão Naval Norte-Americana. Pelos acordos, o Brasil não poderia contratar técnicos militares de país nenhum sem consentimento dos EUA. Em suma, nossas Forças Armadas passaram ao controle de uma potência estrangeira. “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”, disse Juracy Magalhães, logo de sua nomeação para embaixador em Washington pelo general Castello Branco.

Em 1965 houve eleições para governador em onze estados, e o governo perdeu em cinco deles. Em resposta, foi editado o AI-2 que permitia a intervenção do governo nos estados e municípios, e que o Executivo legislasse através de decretos-lei, e ainda extinguiu os partidos existentes implantando o bipartidarismo com duas novas agremiações – a Aliança Renovadora Nacional (Arena), governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em tese oposicionista, mas com apoiadores do regime militar dentro dele inclusive em sua liderança.

Em janeiro de 1966 foi decretado o AI-3, que estendia o princípio da eleição indireta também aos governadores, assembléias estaduais e determinava que os prefeitos fossem nomeados pelos governadores locais. Neste mesmo ano, a oposição ganhou maior intensidade através de protestos estudantis em diversas partes do Brasil e da formação da Frente Ampla, movimento que reunia opositores das mais diferentes correntes políticas, tais como os exilados Carlos Lacerda, e os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart. A Frente, contudo, não conseguiu apoio popular e unidade política interna, vindo a desaparecer em pouco tempo.

Em outubro do mesmo ano, o Congresso foi fechado, e no início de 1967 reaberto pelo AI-4 para se reunir extraordinariamente e aprovar a nova Constituição brasileira, quinta da história do Brasil e quarta desde a proclamação da República. O texto dessa Constituição submetido por Castello Branco, aprovado aos 24 de janeiro de 1967, foi importante para que os militares dessem um ar de legalidade ao regime, e veio a fortalecer o poder Executivo, manteve as eleições indiretas e diminuiu a autonomia dos estados, embora mantivesse o Brasil como federação.

Castello Branco também aprovou a Lei de Imprensa, que restringia ainda mais a liberdade de expressão dos meios de comunicação, e a Lei de Segurança Nacional, que permitia ao regime atingir seus opositores com prisões e exílios através de um Tribunal Militar para julgar civis, sob o argumento de que ações contrárias ao poder representavam ameaça à segurança da nação.

Para combater a crescente inflação e o deficit do setor público, o governo federal incentivou as exportações, atraiu investimentos externos, aumentou a arrecadação e reduziu as despesas do governo. Arrochou salários e extinguiu a estabilidade no emprego, direito alcançado pelo trabalhador que alcançasse dez anos na mesma empresa. Em seu lugar, criou-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Entre outras medidas, o governo também incentivou a entrada do capital estrangeiro, revogando para isso a lei de remessa de lucros que estabelecia restrições à remessa de lucros ao exterior. A curto prazo houve forte recessão no país e muitas empresas faliram, resultando no aumento do desemprego e na aquisição de empresas nacionais por grupos estrangeiros.

Costa e Silva: Linha-Dura na Presidência

Arthur da Costa e Silva, ministro do Exército de Castello Branco e representante da ala dos linhas-dura do regime militar, foi eleito pelo Congresso o novo presidente (1967-1969) prometendo abertura democrática ao país. No entanto, seu mandato foi marcado por uma austeridade ainda maior. Extinguiu de imediato a Frente Ampla, foi cobrado pelas promessas de democratizar o país, e houve intenso protesto contra a política educacional, contra a falta de liberdade e dos calamitosos resultados da política econômica adotada logo após o golpe de 64.

O Congresso Nacional foi fechado em 1968, e a 13 de dezembro do mesmo ano foi editado o AI-5, o mais severo de todos, que passava por cima da Constituição que os próprios militares haviam instituído. Este Ato devolveu ao presidente da República, por tempo indeterminado, os poderes para fechar o Congresso, cassar mandatos e suspender direitos políticos, habeas corpus, demitir ou aposentar funcionários públicos arbitrariamente, intervir nos estados e municípios, e institucionalizar a repressão. A partir de então, houve total silêncio da oposição.

No ano seguinte, o AI-5 instituiria o banimento – aplicado a todos que representassem perigo à segurança nacional -, e a pena de morte, a ser aplicada também em casos que envolvessem a segurança da nação.

Além da imposição de leis arbitrárias, os militares aperfeiçoaram os órgãos de repressão criando, entre outros, o Departamento de Operações de Ordem Política e Social (Dops), o Departamento de Operações Internas e o Centro de Operações de defesa Interna (DOI-Codi). Esses órgãos seriam responsáveis por centenas de prisões, mortes, desaparecimentos e dezenas de milhares de torturas.

 

Arthur da Costa e Silva, ministro do Exército de Castello Branco e representante da ala dos linhas-dura do regime militar, foi eleito pelo Congresso o novo presidente (1967-1969) prometendo abertura democrática ao país. No entanto, seu mandato foi marcado por uma austeridade ainda maior. Extinguiu de imediato a Frente Ampla, foi cobrado pelas promessas de democratizar o país, e houve intenso protesto contra a política educacional, contra a falta de liberdade e dos calamitosos resultados da política econômica adotada logo após o golpe de 64.

O Congresso Nacional foi fechado em 1968, e a 13 de dezembro do mesmo ano foi editado o AI-5, o mais severo de todos, que passava por cima da Constituição que os próprios militares haviam instituído. Este Ato devolveu ao presidente da República, por tempo indeterminado, os poderes para fechar o Congresso, cassar mandatos e suspender direitos políticos, habeas corpus, demitir ou aposentar funcionários públicos arbitrariamente, intervir nos estados e municípios, e institucionalizar a repressão. A partir de então, houve total silêncio da oposição.

No ano seguinte, o AI-5 instituiria o banimento – aplicado a todos que representassem perigo à segurança nacional -, e a pena de morte, a ser aplicada também em casos que envolvessem a segurança da nação.

Além da imposição de leis arbitrárias, os militares aperfeiçoaram os órgãos de repressão criando, entre outros, o Departamento de Operações de Ordem Política e Social (Dops), o Departamento de Operações Internas e o Centro de Operações de defesa Interna (DOI-Codi). Esses órgãos seriam responsáveis por centenas de prisões, mortes, desaparecimentos e dezenas de milhares de torturas.

Luta Armada

O endurecimento do governo acabou levando muitos adversários do regime a desistir da oposição legal, desacreditados em qualquer tipo de via democrática. Deste modo, muitos opositores optaram pela luta armada. Um marco no início dessa luta foi a organização que contava com Carlos Marighella, a Ação Libertadora Nacional (ALN). Havia outros grupos que acabaram formando o que se chamou de guerrilha urbana, por ter se concentrado principalmente nas cidades

No começo de 1969, a luta armada foi reforçada por Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército, membro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Lamarca fugiu do quartel de Osasco, SP, levando consigo grande quantidade de armas para lutar contra o regime ditatorial.

Esses grupos, identificados como de esquerda, passaram a assaltar bancos a fim de financiar a luta armada e garantir a sobrevivência dos militantes. Mas, por outro lado, a ditadura fazia intensa propaganda nos meios de comunicação, retratando os guerrilheiros como terroristas e, por conseguinte, a guerrilha urbana não angariou apoio popular. O isolamento desses grupos permitiu que, em poucos anos, eles fossem sufocados por completo pelos órgãos de repressão.

Em agosto de 1969 na Universidade de Brasília (UnB), após anos de invasões, intervenções, prisões de estudantes e professores, demissões, interdições da biblioteca e apreensão de livros, as Polícias Militar e Civil, o Dops e a Polícia do Exército ocuparam o campus e fecharam o único acesso, detendo alunos e professores. Um aluno foi baleado na cabeça, tendo sido internado em estado grave permanecendo no hospital por vários meses. Outro estudante foi preso e tornou-se um dos tantos desaparecidos do regime militar.

Presidente Médici – Anos de Chumbo

Costa e Silva sofreu uma trombose cerebral em 28 de agosto de 1969, sendo substituído por uma Junta Militar composta de três ministros, Aurélio Lyra Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha), e Márcio de Sousa e Mello (Aeronáutica), os quais impediram a posse do vice-presidente, o civil Pedro Aleixo. Em 30 de outubro do mesmo ano, o Congresso escolheu Emilio Garrastazu Médici para presidente (1969-1974).

O governo de Médici ficou conhecido como os Anos de Chumbo, por ter sido a fase mais brutal dos 21 anos da ditadura militar. As maiores ocorrências de prisões, exílios, torturas, mortes e desaparecimentos deram-se nestes Anos de Chumbo. Tais atos de violência não chegavam ao conhecimento público, ou quando chegavam era de maneira totalmente distorcida. A censura atingiu mais duramente a imprensa, espetáculos e publicações de livros, exilou artistas, políticos e intelectuais, promoveu duro combate aos movimentos estudantis, sindicais e de oposição, estabeleceu a eleição dos governadores pela via indireta e diminuiu o poder do Legislativo, que se limitava a ratificar as decisões do Executivo.

Além da guerrilha urbana, um outro movimento guerrilheiro surgiu no início dos anos de 1970 na região do Araguaia (sul do Pará), que atuava no setor rural. Ali, com apoio da população local, menos de 100 guerrilheiros empreenderam o que o general Hugo Abreu, comandante das tropas enviadas para sufocar a revolta, classificou como o “mais importante movimento armado já ocorrido no Brasil rural”.

No governo Médici, e em menor escala no governo seguinte de Ernesto Geisel (1974-1979), os grupos de guerrilha urbana e rural foram eliminados com enorme mobilização de tropas, que chegaram a até 20 mil soldados na região do Araguaia, ao sul do estado do Pará, matando 70 militantes das forças guerrilheiras e atingindo centenas, ou talvez até milhares de pessoas não envolvidas com a luta armada através de um verdadeira massacre.

O Estado aperfeiçoava seus mecanismos de segurança interna e o controle sobre as universidades, proibindo atividades políticas a estudantes, professores e funcionários. Médici também investiu fortemente na propaganda ufanista de patriotismo, de segurança nacional e de desenvolvimento que associava a ditadura militar a tudo isso, com o intuito de ganhar simpatia da população com os lemas “Prá frente Brasil”, “Ninguém segura esse país”, Você constrói o Brasil”, apoiados no crescimento econômico por que atravessava o país, fase conhecida como “milagre econômico”.

Milagre Econômico

Desde 1968, quando o presidente ainda era Costa e Silva, a inflação vinha caindo e a economia crescendo, tendo como locomotivas o setor industrial e a construção civil. Esse período chamado de milagre econômico vai de 1968 a 1973, quando o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu cerca de 10% ao ano, e a inflação não ultrapassou a casa dos 18% em sua média anual.

O governo captou empréstimos do exterior, aproveitando-se da grande oferta de capital nos países desenvolvidos, cujos capitais entravam no Brasil em forma de empréstimos públicos e de investimentos diretos. O Estado arrecadou mais e lançou projetos faraônicos, mas ao mesmo tempo totalmente catastróficos como a rodovia Transamazônica. Nessa época foi inaugurada em Paulínea (SP) a maior refinaria de petróleo do país, e houve aumento e diversificação das exportações, principalmente de matérias-primas, tais como café, algodão, soja, carnes, açúcar, minérios, e alguns produtos como calçados, televisores, rádios etc.

Também contribuiu para tal aceleração da economia a expansão do mercado interno, provocada pela criação de linhas de crédito acessíveis e pelo incentivo ao consumo de produtos industrias duráveis, como automóveis e eletrodomésticos.

O regime militar baseava sua política na ideia de que era preciso fazer a riqueza crescer para depois distribuí-la. Tal lógica permitiu que o Brasil se industrializasse, se modernizasse, mantendo ainda, contudo, as características de um país gravemente subdesenvolvido, acentuando sobremodo a concentração de renda. A riqueza cresceu, sim, mas jamais foi distribuída eqüitativamente.

No final de 1973, foi decisivo para o fim do milagre econômico a crise internacional do petróleo, quando os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aumentaram vertiginosamente, e por várias vezes consecutivas, o preço do petróleo no mercado mundial. Somado a isso a alta internacional dos juros e dentro do Brasil a diminuição dos lucros em alguns setores, além da retração dos investimentos e a nova alta da inflação, levou a economia à estagnação completa – junto, o esgotamento do modelo político brasileiro.

IV. Abertura Política e Intrigante Morte de Jango

Ernesto Geisel, da linha mais moderada entre os militares, tomou posse em março de 1974 para um mandato de cinco anos, com o projeto de avançar gradativamente em direção ao regime democrático. Seu governo pode ser considerado o “começo do fim” do regime militar no Brasil, mas não tanto devido à fidelidade de Geisel a seus discursos, pelo contrário, era autoritário, centralizador e ambíguo, características de seu governo. E nos bastidores, os militares da linha-dura opunham-se terminantemente à abertura política.

Nas eleições parlamentares de novembro do mesmo ano, o MDB recebeu 48% dos votos para a Câmara dos Deputados e 59% para o Senado, conquistando dezesseis das 22 cadeiras em disputa. A oposição também ganhou em 79 das 90 cidades com mais de 100 mil habitantes.

Os limites da abertura política imaginado pelo governo evidenciaram-se no assassinato do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), diretor de jornalismo da TV Cultura e ligado ao PC do B. Morto no quartel do II Exército, em São Paulo, a 25 de outubro de 1975, o governo alegou suicídio, porém posteriormente confirmou-se que Herzog houvera sido morto em sessões de tortura. Poucos meses depois, registrou-se no mesmo local a morte do operário José Manuel Fiel Filho, com o governo novamente alegando a absurda versão de suicídio. Herzog foi um do total de 22 jornalistas que seriam assassinados até o fim da ditadura militar brasileira.

Em meio a tudo isso, morreu exilado na cidade de Mercedes na Argentina o ex-presidente João Goulart, em 6 de dezembro de 1976 de maneira intrigante fazendo com que, desde o início, seus familiares desconfiassem seriamente de que ele foi assassinado: a alegação médica foi que Jango teria sofrido uma parada cardíaca. Em outubro de 2012, declarações do ex-espião da polícia secreta do Uruguai, Mário Neira, confirmariam a tese sustentada pela família do ex-presidente: segundo Neira, os remédios de Goulart, que sofria de problemas do coração, foram trocados por comprimidos com uma substância que acelerava os batimentos cardíacos e provocava uma parada cardíaca. “Os remédios vieram da França e foram recebidos na gerência do Hotel Liberty. Foi um araponga colocado neste hotel, porque os remédios ficavam em uma caixa forte, uma caixinha mesmo de segurança. Em cada frasco, foi colocado um comprimido, apenas um comprimido com o composto que tinha uma ação que provocaria uma parada cardíaca. Acho que ele tomou coincidentemente naquela noite [o veneno], porque todo o relato da dona Maria Tereza [mulher de Jango] fala dos sintomas que encaixam com o que acontece quando a pressão sobe, baixa constrição dos vasos” (fonte: Empresa Brasil de Comunicação).

Nesta mesma ocasião, vieram à tona provas documentais de que Jango era monitorado desde o início de seu exílio, primeiro no Uruguai e depois na Argentina: tinha suas correspondências lidas além de ter sido vigiado de perto por alguém muito próximo a ele, que inclusive o fotografava em reuniões particulares e enviava tais materiais ao Brasil (assista vídeo com a declaração de Neira e veja os documentos que provam a vigilância contra Jango, no sítio da Empresa Brasil de Comunicação). Tudo indica que João Goulart foi vítima da Operação Condor, através da qual os governos militares de Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Brasil trabalhavam secretamente juntos perseguindo suspeitos de exercer oposição ao regime destes países.

Para as eleições de 1976, Geisel promulgou a Lei Falcão, que impedia o debate político no horário gratuito de rádio e TV. Mas isso não foi suficiente, e os resultados mais uma vez mostraram o crescimento da oposição, fazendo com que o governo reagisse e mudasse as regras do jogo: recorrendo aos poderes arbitrários do AI-5, decretou o fechamento do Congresso e promulgou, em abril de 1977, o chamado “Pacote de Abril”, através do qual um terço do Senado seria preenchido por “senadores biônicos”, isto é, senadores que passavam a ser eleitos indiretamente pelas Assembléias Legislativas estaduais. O critério da proporcionalidade entre os estados quanto à representação na Câmara dos Deputados também foi alterado, aumentando a representação dos estados onde a Arena era mais forte. por fim, o mandato do presidente da República passou de cinco para seis anos. Isso fez com que, nas eleições parlamentares de 1978, apesar da oposição ter tido mas votos, o governo manteve maioria no Congresso Nacional. Com a garantia da Arena como maioria parlamentar, Geisel revogou o AI-5 e restaurou o habeas corpus. Por outro lado, eram proibidas greves em setores estratégicos para a “segurança nacional”, como a energia.

Os militares da linha dura apoiavam o general Sylvio Frota como possível sucessor de Geisel, que o exonerou do cargo de Ministro do Exército. Nessa época também, quando milhares de estudantes reuniam-se na Pontifícia Universidade Católica (PUC), para tratar de reorganizar a UNE, então na ilegalidade, a Polícia Militar, liderada pelo coronel Erasmo Dias, invadiu violentamente a PUC distribuindo golpes de cacetete para todos os lados, e chutando o que via pela frente.

No final da década de 1970, começava a ressurgir o movimento sindical, amordaçado durante anos. Os dados do Departamento de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) comprovam que houvera manipulação dos números da inflação em 1973 e 1974, o que levou os sindicalistas, combativos e independentes, a iniciar campanha para recuperar as perdas salariais, resultando em grandes greves em 1978 e 1979, com a participação de milhares de trabalhadores. Foi dessas lutas que surgiu novos líderes, tais como Luis Inácio da Silva, o Lula, à época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, na grande São Paulo.

Figueiredo: Último Militar Presidente e Economia em Queda Livre

Em 31 de dezembro de 1977, Geisel passou o cargo a João Batista de Oliveira Figueiredo, último militar presidente do Brasil durante a ditadura eleito presidente pelo Colégio Eleitoral em 15 de outubro do ano seguinte. Em 28 de agosto de 1979, o presidente Figueiredo assinou a Lei de Anistia (nº 6.683), que isentava qualquer cidadão brasileiro de responder perante a Justiça por crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Neste mesmo ano, inflação atingiu 77% quase o dobro do ano anterior, e a alta dívida externa subia inversamente proporcional, devido às altas taxas de juros. Um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) em 1982 serviu apenas para intensificar ainda mais o arrocho salarial e o desemprego. A inflação chegou a cerca de 100%, e a economia encontrava-se totalmente estagnada.

Em 1984, a gradativa substituição da gasolina por álcool a a queda nos preços internacionais do petróleo reduziram as despesas com a importação, e as exportações obtiveram um pequeno aumento. Mas nada disso tirou a economia do abismo: o PIB teve taxas negativas em três anos consecutivos, e a inflação em 1984 chegou a 223,8%, enquanto a dívida externa simplesmente dobrou, passando de 43,5 bilhões de dólares para 91 bilhões – ao fim do mandato de Figueiredo, em 1985, atingiu 100 bilhões. Para pagar a dívida externa, o país precisava, no fim do mandato de Figueiredo, despender cerca de 5% do PIB. No início de 1986, a inflação em ascensão chegaria a 400%.

Campanha Popular por Democracia

A primeira grande manifestação popular em favor de eleições diretas para presidente da República ocorreu em São Paulo em 1983, convocada pelo PT, da qual também participaram o PMDB, o PDT e entidades sindicais, com a participação de 100 mil pessoas. No ano seguinte, o movimento cresceu e grandes comícios foram realizados nas principais cidades brasileiras, sob o lema “Diretas Já”.

Mesmo com toda a pressão popular, o governo militar derrotou a emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas, apresentada pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB – MT). Houve maioria de 258 votos, mas eram necessários 320 para sua aprovação, de modo que a eleição presidencial continuou sendo indireta. Deste modo, a transição do governo ditatorial para o civil dar-se-ia no Colégio Eleitoral, sem a participação popular

Regime Derrotado no Colégio Eleitoral: Fim dos 21 Anos de Ditadura

No Colégio Eleitoral, Paulo Maluf, ex-prefeito e governador de São Paulo, representava o governo militar. O PMDB lançou a candidatura de Tancredo Neves, ex-governador de Minas Gerais. Pressionados pela Diretas Já e insatisfeitos com a indicação de Maluf, setores do PDS romperam com o governo Figueiredo e criaram a Frente Liberal, que mais tarde se tornaria o PFL, hoje DEM. Com o PMDB, formou a Aliança Democrática e, através de uma cordo político, lançou o nome de José Sarney, governador do Maranhão em 1965 pela primeira vez sob garantia de Castello Branco, e ex-presidente da ARENA, para concorrer ao cargo de vice-presidente. Por considerar os cargos ilegítimos, o PT e o PCdoB negaram-se a participar das eleições.

Em janeiro de 1985 o Colégio, reunido em Brasília, elegeu Tancredo Neves por 480 votos, contra apenas 180 de Maluf. Era o fim dos 21 anos de regime militar no Brasil o qual, segundo dados oficiais publicados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, na obra Direito à Memória e à Verdade, deixou como saldo:

● 30 mil cidadãos torturados;

● 475 mortos, e

● 144 “desaparecidos” políticos.

De acordo com pesquisas de entidades de Direitos Humanos, dos familiares das vítimas e ex-presos políticos, da Comissão Nacional da Verdade entre outras comissões especiais, somam-se aos números acima:

● 1.118 trabalhadores rurais assassinados;

● 2 mil índios waimiri-atoari assassinados no estado do Amazonas;

● Quase 8 mil índios assassinados no estado do Pará;

● 50 mil prisões arbitrárias;

● 10 mil exilados, e

● 700 mandatos políticos cassados.

Isso tudo durante os 21 anos de ditadura militar, cujo regime praticou crimes considerados de lesa humanidade segundo a Legislação Internacional baseada na Declaração dos Direitos do Homem da ONU, na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e no Tratado de Viena.

Quanto ao número oficial de 475 mortos, vale ressaltar que na realidade muito mais civis morreram: em 1990, foi descoberta a Vala de Perus, em São Paulo, onde 1.049 ossadas foram encontradas, além de diversas outras ao redor do Brasil. Para nem mencionar os números de índios e trabalhadores rurais assassinados apontados acima, sempre omitidos oficialmente, além dos denominados “desaparecidos” políticos os quais, obviamente, acabaram assassinados com cadáveres ocultados, assim como ocorreu em outros países latino-americanos sob regime militar, na mesma época.

Na noite anterior à posse do novo presidente, 14 de março, Tancredo foi internado na capital federal, vindo a falecer a 21 de abril. Sarney, deste modo, tomaria posse, dando início à fase denominada de Nova República. Em 1986, foi eleito um Congresso Constituinte, que tomou posse em fevereiro de 1987. Após quase dois anos de trabalho, promulgou-se a nova Constituição em 5 de outubro de 1988.

Governo Sarney e Eleições Diretas em 1989

No governo Sarney, os problemas econômicos tornaram-se mais agudos ainda, houve sérias denúncias de corrupção, muitas greves, assassinato de trabalhadores rurais e grande aumento da criminalidade, o que enfraqueceu o presidente. No final de seu governo, Sarney convocou eleições presidenciais para 1989.

Após quase trinta anos, os brasileiros voltaram a eleger seu presidente. Na disputa, mais de vinte candidatos em campanha marcada por intensa participação popular com comícios e discussões intensas, e, sob as bênçãos das elites, marcada também pela participação dos grandes profissionais do marketing político, além de influência tendenciosa e decisiva dos veículos de informação: o vencedor foi Fernando Collor de Mello, do PRN (Partido da Reconstrução Nacional), assumindo a presidência da República a 15 de março de 1990

V. Conseqüências da Ditadura no Brasil Hoje

Os 21 anos de ditadura militar no Brasil trouxeram terríveis conseqüências ao país, desmoralizando a atividade política, atrasando a economia, deteriorando a educação, enfraquecendo a identidade e o sentimento nacionalista do cidadão, diminuindo a qualidade da Polícia e corrompendo a Justiça.

Antes de mais nada, vale apontar a profunda hipocrisia de militares e defensores entre a sociedade civil do regime militar, apoiando-se na caótica situação da sociedade brasilira que inclui uma não-declarada guerra civil autenticada pelos fatos e números. Na realidade, tudo o que é reprimido e não tratado, educado, conscientizado, acaba mais cedo, mais tarde, explodindo.

Com o fim da repressão imposta em nome dos interesses do regime de Washington apoiado em falsos nacionalistas locais, absolutamente entreguistas, descarados fantoches, o apito da panela de pressão, naturalmente, soou de maneira que o caos do qual padecemos todos hoje, é também consequência dos desmandos do regime militar.

O retrocesso da lei do grito e da imposição da força, decisivamente apoiada na ausência de autonomia reflexiva, apenas esconde problemas, e gera mais revolta ainda que abafada.

A desmoralização na vida política reflete-se de várias maneiras e uma delas é o próprio sistema corrupto em si, fazendo com que haja aparência de democracia no país enquanto, na essência, a situação é totalmente diferente: os partidos políticos não possuem ideologia definida, mas são objetos de interesses para os quais o marketing é decisivo, muito mais importante que o conteúdo programático de cada partido.

As eleições municipais de 2008 em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro são o retrato do que ocorre no país em cada nova eleição, total incoerência dos partidos, além de ausência de compromisso com o eleitorado e com a suposta ideologia de cada instituição: em São Paulo, Gilberto Kassab do DEM venceu em aliança com PSDB e PMDB; em Belo Horizonte, Márcio Lacerda do PSDB elegeu-se em aliança com PT e PSB; e no Rio, Eduardo Paes do PMDB tornou-se prefeito em aliança com PT e PCdoB.

Outro dado importante vem do sítio Transparência Brasil, o qual mostra que, em dois anos, políticos que concorreram às eleições de 2008 enriqueceram 46,3%. Tais números foram recolhidos junto à Justiça Eleitoral e publicados no projeto Excelências, do Transparência Brasil (www.excelencias.org.br), que exibe os perfis políticos de todos os integrantes do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas estaduias e das Câmaras Municipais das capitais brasileiras.

Como conseqüência dessa ausência de debate, a sociedade não é levada a possuir pensar o país, o que faz com que ela não participe da atividade política do país, e que se desinteresse pela questão nas eleições municipais de 2008, a soma dos votos brancos, nulos e de abstenções chegou a 30% do eleitorado em alguns estados, sem contar aqueles que, a cada eleição, têm seu título de eleitor cancelado por não comparecer às urnas, e os que têm idade de votar não o fazem.

Na área econômica, os anos de ditadura deixaram o país como um dos mais injustos: o Brasil é o quarto mais desigual do mundo, com diferenças sociais gritantes, em que há um abismo que separa as classes mais abastadas das menos favorecidas. Outro legado maldito foi a escancaração ao capital estrangeiro em detrimento da atividade econômica local. Foram nos anos de ditadura que se iniciaram as privatizações descomedidas que deterioraram áreas de suma importância do país, tais como o sistema público de saúde e de educação, jogando tais serviços estatais aos piores níveis da América Latina, região mais desigual do planeta.

O nível educacional e cultural em particular, foi violentamente atingido por um regime que, para se auto-sustentar, precisava aniquilar essa área importando-se apenas em “vender” as idéias da propaganda ufanista do sistema, subtraindo a necessidade de pesquisar, questionar e debater em uma longa época em que isso tudo era tido como subversivo.

A própria cultura brasileira é subestimada ainda hoje pelos próprios brasileiros, subjugados de todas as formas pela potência estrangeira, os Estados Unidos, sob aprouve incondicional dos militares que trouxe como conseqüência a deterioração do conceito de nação e do princípio de nacionalismo, havendo na sociedade carência de identidade.

Um exemplo bastante prático dessa “venda” cultural do Brasil que ainda persiste são os números citados pela Secretaria de Assuntos Econômicos do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social), publicados pelo jornal A Nova Democracia de novembro/dezembro de 2008 (Archibaldo Figueira): em 18 de outubro de 2007, Ernani Torres deu conta de que 3.875 prepostos do capital financeiro internacional completaram uma injeção de 412,5 milhões de dólares para assumir 80% do SEB (Sistema Educacional Brasileiro S.A). Com US$ 478.773.750,00, cerca de 12 mil estrangeiros assumiram 70% do controle da Kroton, criadora da rede Pitágoras e, com US$ 446.940.000,00 ficaram com 64% da Estácio de Sá, em um negócio para o qual cada aluno foi “avaliado” em R$ 10.800,00.

Em 12 de março do ano passado, 14.651 investidores estrangeiros desembolsaram 512,5 milhões de dólares para abocanhar 76% do capital da Anhanguera Educacional, complexo de ensino que possui 51 unidades distribuídas nas regiões Sul Sudeste e Centro-Oeste do Brasil congregando 140 mil alunos, rendendo cada um 18,8 mil dólares. (A Nova Democracia).

Nas faculdades do Brasil hoje, além da péssima qualidade de ensino o que menos de promove são debates, pelo contrário, há aversão à discussão dentro daquilo que deveria ser o núcleo de novas idéias e da promoção da intelectualidade do país.

À Polícia repressiva que temos ao invés de preventiva, devemos muito também aos militares: nossa segurança pública foi instruída para reprimir e até anular indivíduos, defendendo interesses do Estado e não os da sociedade durante a ditadura militar (leia a ampla reportagem Saneamento Público – Onde Jogar Tanto Lixo Humano? O Estado Brasileiro Racista, Criminalizador da Pobreza e Exterminadoraqui no Blog).

Vale apontar que Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Costa e Silva, da Educação sob o mandato de Médici e um dos signatários do AI-5, presidiu a comissão que elaborou as cláusulas constituintes sobre segurança pública no Brasil. Hoje, por exemplo, a Constituição define as Polícias Militares como auxiliares e reserva do Exército do país, outra forte herança da ditadura.

Temos no Brasil a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), na verdade uma reedição do Serviço Nacional de Informações (SNI), da época do regime militar criado sob a supervisão da CIA em 1964. A Abin, criada por Fernando Henrique Cardoso em 1999, atuando hoje em mais de 40 7 mil autorizações judiciais para escutas telefônicas, além de grampos clandestinos – estima-se que 15 mil brasileiros sejam vítimas disso com objetivo de minar resistência interna em prol do entreguismo do país aos EUA, colaborando com a dominação imperialista sob pretexto de combate às drogas e ao terrorismo internacional. Em uma matéria da revista Carta Capital, Carlos Costa disse que ainda hoje há participação direta da CIA na Polícia Federal e na própria Abin.

Nas eleições de 2008, as Forças Armadas fizeram-se presente em 460 cidades, e em 28 favelas do Rio de Janeiro nas áreas em que, segundo o governo federal, “são classificadas como de risco, e a presença do Exército tem por objetivo garantir a segurança contra a atuação do tráfico e das milícias, acusadas de coagir eleitores a votar em seus candidatos”. 3.500 homens, cinco helicópteros, três veículos blindados saíram às ruas do Rio.

Há uma inversão nisso tudo, bem característica dos tempos de ditadura: a intenção é proteger quem está dentro ou fora das favelas? O problema é de ordem policial ou está na própria estrutura da sociedade? Há coerção de quatro em quatro anos… apenas, ou durante o intervalo de cada eleição, no dia-a-dia a realidade brasileira (inclusive na vida política) é coercitiva e movida por interesses, refletindo nos dias de eleições? Ou a questão da segurança só apresenta problemas nos dias de eleição? A resposta, claro, é não, e como nos anos de ditadura protege-se hoje as elites, as instituições e o sistema através da força, mas nada para a população em geral por meios que a capacite e dê condições de exercer sua cidadania de maneira segura e efetiva, com mais democracia, mais direitos e mais oportunidades.

A Justiça no Brasil, com todas as suas mazelas, também está viciada pelo regime militar, cujas conseqüências se vê claramente hoje: total desigualdade de tratamento desta instituição às diferentes posições sociais, onde prevalece a lei do mais forte, minuciosamente preparada para isso pelos militares fazendo da nossa Justiça uma das mais decadentes do mundo, até os dias de hoje. Nas faculdades de Direito, matérias de direitos humanos são apenas opcionais, refletindo o espírito do poder público brasileiro hoje.

Anistia Política: A Lei do Esquecimento

A Organização dos Estados Americanos estabeleceu que não há anistia para crimes contra a humanidade nem autoanistia. Como os militares ainda estavam no comando quando a lei foi promulgada, ela não tem valor jurídico (Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)
Em 28 de agosto de 1979, o então presidente João Batista Figueiredo sancionou a Lei de Anistia, após ter sido aprovada no Congresso por 206 votos contra 201. A partir daquela data, todos os crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, estavam automaticamente perdoados e, desde então, o argumento generalizado entre militares, políticos, juristas, meios de comunicação e sociedade civil (com raras exceções) para defender tal medida, perpetuar-se-ia como destinada a “passar uma borracha no passado do Brasil, abrindo mão do ‘revanchismo'”.

Fernando Henrique Cardoso, no final de seu segundo mandato, em dezembro de 2002, assinou o decreto 4.533 (Lei nº 10.559/2002) que só entraria em vigor em fevereiro de 2003, no governo Lula, estabelecendo que documentos considerados sigilosos e secretos dos anos da ditadura militar só podem ser divulgados cinqüenta anos após o fim do regime, podendo ser prorrogado por mais cinqüenta anos (nos EUA, o prazo é de trinta anos). Lula poderia ter revogado tal decreto, mas não fez isso.

Em 14 de outubro de 2008, a Advocacia Geral da união (AGU), cuja função é defender os interesses do Estado, assumiu a defesa dos coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, em processos nos quais são acusados de tortura pelo Ministério Público Federal (MPF) através de ação civil pública, por tortura de presos políticos e a conseqüente morte deles entre 1970 e 1976. O ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos), indignado, disse que o governo brasileiro está ambíguo na questão e que pediria demissão se seguisse assim.

Nestes mais de vinte anos desde o fim do regime militar, tem havido no Brasil forte resistência em se abrir os arquivos da ditadura a fim de revelar exatamente em que circunstâncias deram-se as prisões, as torturas e as mortes de civis, além de revelar os nomes dos autores de tais crimes. Vergonhosamente, o Brasil é o único país da América do Sul que, contrariando o Direito Internacional – que considera os crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o regime militar de Lesa-Humanidade -, não julgou os torturadores da época da ditadura, país que serve até os dias de hoje como abrigo a torturadores uruguaios, e, ao longo destes anos de “redemocratização”, tem vergonhosamente servido de exílio a ditadores militares, torturadores e assassinos, de outros países sul-americanos.

Tem-se difundido a idéia que, em nome da paz e da reconciliação social, deve-se esquecer a obscura época da ditadura militar, e que reivindicação de abertura dos arquivos e de ressarcimento das vítimas e de suas famílias trata-se de “revanchismo”, além de haver acusação de que as vítimas do regime agem motivadas por interesses financeiros. Os “pacificadores” preocupados com o bem-estar social são os mesmos que ignoram qualquer questionamento sobre o tema considerando-o “impróprio”, algo que não deve ser trazido à memória já que foram atos tão violentos.

E mais: a Lei de Anistia, criada pelos militares brasileiros para excetuar todos os acusados de crimes políticos, excetua os praticantes terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal nos anos do militarismo – algo no mínimo bastante curioso… Tudo isso, enquanto um miserável brasileiro que rouba um saco de feijão no supermercado, é condenado sob todo o rigor da lei e tratado por autoridades com peculiar truculência que faz da nossa polícia a mais violenta do mundo. Por que toda essa diferença de tratamento da Justiça, de todas as instituições ditas democráticas e dos mais diversos setores da sociedade quando o assunto é julgar os criminosos oficiais do país?

Hipocrisias à parte, essa é mais uma evidência de como anda a imaginação democrática neste país – 23 anos depois! Os militares foram covardes no passado, nas práticas de perseguição, de tortura e de assassinato durante os 21 anos de ditadura. Agora são covardes, com apoio estatal e midiático, em não aceitar que a história e a memória das vítimas do Brasil conheçam a verdade dos fatos. Outro ponto incrível é que não existe manifestação popular por isso (da grande Imprensa, não se deveria esperar pressão por transparência e justiça, já que ela apoiou o Golpe de 64 e serviu fielmente à ditadura, a mesma Imprensa comercial que respalda o atual sistema “democrático” brasileiro). Antes de mais nada, é direito da sociedade e dever do Estado o aclaramento da verdadeira história do Brasil, e nisso não há revanchismo nenhum.

O militarismo foi um regime que violentou e matou pessoas de diferentes setores da sociedade, privando-as de seus maiores bens: a liberdade e a vida, e a sociedade brasileira muito pouco sabe sobre o que realmente aconteceu com as vítimas daquele regime. A apuração da verdade é o exemplo prático do avanço democrático garantido pela Constituição Federal de 1988, derrotando e impunidade e a censura sobre a questão, e não pode ser possível que, 23 anos depois, seja negado acesso à Justiça e que os abutres golpistas e seus defensores ainda sustentem a retórica de que “o povo brasileiro não está preparado [para a Justiça]”. Quando se pratica a justiça, confrontam-se os traumas, curam-se as feridas e fortalecem-se as instituições democráticas de uma nação. Na Alemanha, é considerado crime apenas negar que houve o holocausto anti-semita cometido nos anos de Adolf Hitler.

Na verdade, desde a Convenção de Genebra de 1864 sobre leis e práticas de guerra, até o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Político de 1966, passando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aos recentes Princípios das Vítimas de Violação dos Direitos Humanos adotados no ano de 2005, é indubitável o dever, moral e jurídico, de toda a comunidade internacional e de cada um dos Estados que a compõem, de perseguir graves crimes contra a integridade e a dignidade humana. O Brasil, com a Lei de Anistia, vai totalmente contra o Direito Internacional, que não permite exceção quanto a se julgar torturas e execuções extrajudiciais.

Em 14 de dezembro de 2010, a OEA, através de seu órgão jurídico, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, condenou o Estado brasileiro por não investigar os crimes da ditadura entre 1972 e 1975 em relação ao desaparecimento de 70 pessoas na região do Araguaia, e considerou inaceitável a concessão de anistia aos perpetradores de crimes contra a humanidade. “As disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações aos direitos humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações aos direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”, advertiu a OEA (fonte: revista Caros Amigos, edição especial, Comissão da Verdade, maio de 2012). Em março de 2012, o Brasil foi também denunciado pelo mesmo órgão, por não investigar o assassinato o jornalista Vladimir Herzog, pelo qual o Estado pode vir a ser punido.

Conforme observou o articulista Rodrigo Gonçalves em seu artigo Julgar os Crimes da Ditadura, para a revista Le Monde Diplomatique de novembro de 2008, “uma pesquisa realizada pela norte-americana Kathryn Sikknik analisou cem países que nos últimos dez anos superaram regimes ditatoriais, e concluiu: o índice de desrespeito aos direitos humanos diminuiu quando se atribuiu responsabilidade aos crimes praticados sob mando estatal”. A indiferença, o esquecimento e a impunidade não libertam um indivíduo nem uma nação das dores e das vergonhas do passado, mas sim o enfrentamento da realidade e a justiça, esta a base do Estado de direito (deve ser mais ainda em país onde um pai de família abaixo da linha da pobreza, é tratado sob todo o rigor da lei por furtar um saco de feijão no supermercado, e até mesmo torturado na cadeia, em muitos casos). A impunidade, por sua vez, é a maior inimiga desse Estado, abrindo sérios precedentes à repetição da história de crimes.

Os militares violaram a Constituição e a vontade da grande maioria da sociedade brasileira, em sua defesa ideológica e dos seus interesses travando, a partir disso, uma luta totalmente desigual contra aqueles a quem arbitrariamente julgaram seus inimigos (tantos inocentes a ponto de tentarem esquecer e deixar de julgar tais crimes de lesa humanidade). Com a manutenção da Lei de Anistia autoconcedida pelos militares, ser-lhes-á dada a oportunidade de se defender, o que eles não deram minimamente aos “inimigos”. Enquanto o Brasil não esclarecer e não fizer justiça em relação aos crimes do passado, seguirá com as marcas dos crimes de lesa humanidade praticados á época da ditadura vivas, e sempre propenso a repeti-los. Enfim, manter a Lei de Anistia significa manter o legado da ditadura, conforme vem ocorrendo de maneira muito clara até os dias de hoje.

Ala Conservadora Brasileira: “Mudemos de Assunto”

Diferentemente do Peru onde, um entre diversos exemplos latino-americanos, os grupos de esquerda Sendero Luminoso e Frente Tupac Amaru massacraram diversas comunidades inocentes com requintes de crueldade, no Brasil a oposição ao regime político não praticou nada disso, a não ser resistir aos próprios ditadores que impuseram uma guerra desigual contra a sociedade brasileira. Por tudo isso, as leis do esquecimento aqui devem dar lugar à verdade, à justiça e a um Brasil onde prevaleçam a igualdade e os direitos humanos, princípios elementares de uma democracia que, em seu sentido mais amplo, ainda hoje faz tremer a cúpula política, a grande mídia e o alto empresariado deste país, que tentam apagar à força o passado do Brasil.

É direito da sociedade saber o que realmente ocorreu no Brasil entre 1964 e 1985 reivindicado pelos seus mais diversos setores hoje, especialmente pelos familiares das vítimas dos ditadores, e o poder público tem o dever de abrir os arquivos do período da ditadura. O Brasil é um país historicamente atrasado no que diz respeito a avanços sociais, econômicos e políticos, conforme observamos no artigo O Brasil no Espelho:

“Enquanto na América espanhola lutava-se por independência, gerando sentimento nacionalista e estabelecimento de repúblicas, no Brasil a coroa portuguesa, foragida da invasão de Napoleão, tratou, ela mesma, de nos fazer “independentes”, colocando o herdeiro do imperador no trono, e com ele o poder do novo Estado – imperial (por 67 anos), em vez de republicano.

“O fim da escravidão veio em 1888, fazendo do Brasil o último país do continente a terminar com a exploração do trabalho negro. Antes dessa data, como medida de prevenção aos novos trabalhadores “livres”, as classes dominantes brasileiras tornaram o controle de latifúndios legítimo, impedindo que ex-escravos tivessem acesso a terras (e um assalariado acabou custando menos que um escravo). (…)

“Enquanto a vizinha Argentina avançava rumo à industrialização na primeira metade do século XX, nós aqui nos encontrávamos em situação agroexportadora. Lá se realizava a Reforma Universitária de Córdoba (1918); aqui, no entanto, ainda fundávamos nossa primeira universidade (UFPR – atual Universidade Federal do Paraná -, em 1913). E até hoje, apenas a cidade de Buenos Aires possui mais livrarias que o Brasil todo.” Inclua-se nesta lista a ausência de marco regulatório da Imprensa, tampouco seguindo o exemplo das nações mais democráticas do mundo.

A impunidade implica cometer um novo crime contra as vítimas da ditadura, e mais um forte golpe contra seus familiares enquanto lutar pela memória, pela verdade e pela justiça contra o silêncio trará à sociedade identidade, solidariedade, cultura de mobilização, senso de cidadania, de democracia, de dignidade e de direitos humanos, características ainda tão desconhecidas por aqui – subproduto também dos 21 anos de ditadura militar.

No momento em que vos falo / A água fria do pântano volta / A encher as valas
Uma água fria e opaca como / Nossa memória fraca

Filme “Noite e Neblina” (sobre o holocausto nazista)
Quando perdemos a capacidade de nos indignar ante atrocidades sofridas por outros,
perdemos também a capacidade de nos considerar seres humanos civilizados

Frase da lápide de Vladimir Herzog

Obras Consultadas:

História. Divalte Garcia Figueira, Ed. Moderna, 2000;

História. Marlene Ordoñez e Júlio Quevedo, IBEP (Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas);

Revista Caros Amigos – O Golpe de 64, outubro de 2008; A Ditadura Militar no Brasil, nº 1; e nº 52, ano VIII, novembro de 2004
e edição especial, Comissão da Verdade – Última Chance de Esclarecer os Crimes da Ditadura, maio de 2012;

Revista Le Monde Diplomatique – Brasil, nº 16, ano 2, novembro de 2008;

Jornal A Nova Democracia, Rio de Janeiro, outubro de 2008, e novembro / dezembro de 2008;

Almanaque Abril – 2008.
Ainda há mais de 140 desaparecidos políticos no Brasil. Se você tem informações
que ajudem a encontrá-los, procure o Arquivo Nacional no sítio Memórias Reveladaswww.memoriasreveladas.gov.br


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Articles by: Edu Montesanti

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