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Reconstrução do Iraque Há Um Ano da Vitória sobre Estado Islamita, 16 Anos da Sangrenta Ocupação dos EUA
By Tom Peyre-Costa and Edu Montesanti
Global Research, December 13, 2018

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O Iraque, que nos anos de Saddam Hussein (1979-2003) viveu grande período de prosperidade e estabilidade social, então reconhecido pela ONU como um dos países árabes que mais respeitavam a diversidade religiosa, tem sido atualmente uma das nações mais devastadas do mundo desde a Guerra do Golfo de 1991, seguida do criminoso embargo econômico imposto pelos Estados Unidos que perdurou por todos os anos de 1990, assassinando mais de 200 mil criancas entre outras catástrofes, e da segunda invasão e ocupação estadunidense em 2003 – além de baseada em comprovadas mentiras, deu-se sem mandato da ONU, contra todas as leis internacionais e contra a própria Constituição norte-americana, enquanto guerra de agressão.

Se não bastasse isso tudo, o Iraque passou a enfrentar, justamente apos a segunda invasão dos que lhe prometiam liberdade e segurança, ataques de grupos terroristas que jamais haviam atacado antes: Al-Qaeda e, com poder ainda mais destrutivo, Estado Islamita por quase quatro anos, de 2014 a 2017. Ambas as organizações, formadas e financiadas exatamente pelo regime de Washington para, em busca de interesses estratégicos e econômicos, desestabilizar e dividir o Oriente Médio, região mais rica em petróleo do planeta.

Tom Peyre-Costa, assessor de imprensa e ativista do Conselho Norueguês de Refugiados (Norwegian Refuegee Council, NRC), detalha na entrevista a seguir o trabalho de sua organização especificamente no Iraque, e comenta os desafios do país árabe para sair de um atoleiro que parece sem fim – o que, historicamente, o regime estadunidense melhor sabe fazer em terras alheias. Apenas de 2003 para cá, mais de um milhão de iraquianos foram mortos por causas relacionadas a terrorismo e pela guerra dos Estados Unidos.

“Os iraquianos sofreram as atrocidades mais terríveis do EI, e agora sofrem com a falta de apoio internacional”, lamenta Peyre quem reconhece o esforço do governo iraquiano, ao mesmo tempo que pontua deficiências e descaso de Bagdá em determindos aspectos, nesta fase de tentativa de reconstrução iraquiana.

O NRC faz-se presente hoje em 31 países: Camarões, República Centro-Africana, Djibuti, Repúbica Democrática do Congo, Eritréia, Etiópia, Quênia, Mali e Burkina Faso, Nigéria, Somália, Sudão do Sul, Tanzânia, Uganda, Iêmen, Colômbia, Honduras, Afeganistão, Irã, Myanmar, Grécia, Ucrânia, Iraque, Jordânia, Líbano, Palestina, Síria, Turquia, Noruega, Suíça, EUA, Reino Unido.

ONG sem fins lucrativos, o NRC é financiado por doadores voluntários – os principais: Norwegian Ministry of Foreign AffairsEuropean CommissionUN Refugee Agency, UKAID, e Swedish International Development Cooperation Agency.

Abaixo, a íntegra da entrevista.

Edu Montesanti: Especifique como, exatamente, os 900 especialistas do NRC espalhados em 200 missões ao redor do mundo, trabalham.

Tom Peyre-Costa: Nossos especialistas atuam nas várias competências essenciais do NRC: administração de acampamento, assistência alimentar, água potável, abrigo, assistência jurídica e educação.

O NRC enfrenta situações perigosas nos países onde atua?

Dada a atual agitação em estados afetados por conflitos como a República Centro-Africana, o Sudão do Sul e a Síria, algum nível de exposição a riscos é inevitável e pode até ser necessário para que o trabalho seja feito.

Mas o imperativo que conduz os agentes humanitários é ajudar as pessoas necessitadas.

O Iraque é um caso bstante particular, país destroçado que, até dezembro do ano passado, sofria com os ataques do Estado Islamita (EI) por todo o territó rio nacional, além de ainda trazer as gravíssimas consequências da invasão e ocupação dos Estados Unidos, em 2003, apresentando também risco consideravel ao NRC, correto?

No Iraque, a guerra contra o EI pode ter acabado, mas ainda há numerosos ataques do grupo no país que ainda crescem na província de Kirkuk, por exemplo.

No NRC, temos pessoal profissional dedicado à segurança para mitigar os riscos, tanto quanto possível, mas nunca será reduzido a zero.

Sobre riscos, você tem alguma história pessoal para contar?

Tenho a sorte de nunca ter passado por uma situação difícil.

Pelo que me lembro, a situação mais recente foi a gravação de vídeos em Sinjar quando havia tiroteios esporádicos na área. Mas isso é comum no Iraque e pode ser por vários motivos: celebrações, intimidações, protestos etc.

Sinjar parece um caso singular no Iraque, Tom, de acordo com sua experiência no país. “Ao contrário de outras partes do Iraque, a reconstrução nunca foi iniciada”, você escreveu em novembro, refernido-se exatamente a Sinjar.

Explique o cenário nesta província iraquiana.

Sinjar é singular por sua recente história, e pelo genocídio perpetrado contra os yazidis. E como eu disse, a reconstrução nem sequer começou três anos depois [do início dos ataques do EI]. Mais de 200 mil pessoas, a maioria yazidis, permanecem deslocadas no norte do Iraque e no exterior, sem casa para onde possam retornar.

Aqueles que decidiram voltar, não têm as coisas mais básicas para viver, como água. A maioria dos moradores de Sinjar ainda está deslocada em acampamentos, e não pode voltar por causa dessa situação.

Quanto a corrupção política exerce influência sobre esta situação envolvendo os yazidis, e quais os grandes desafos do governo iraquiano para superar esta situação?

Não posso especular sobre corrupção e influências políticas, o que posso dizer é que é essencial que o governo local e a comunidade internacional entendam a extensão das necessidades e façam mais para responder a elas.

O governo iraquiano deve superar as divisões religiosas, sectárias, muitas das quais se ampliaram durante o recente conflito [com o EI], especialmente quando se trata de fornecer ajuda à sua própria população.

Comente a atuação do NRC entre os yazidis, em Sinjar.

O que o NRC faz nos campos de Sinjar e Yazidi, é o seguinte:

1. Estamos presentes tanto no territorio de Sinjar, quanto nos acampamentos;

2. Apoiamos as crianças yazidis nos campos a fim de que lidem com seus traumas e sofrimentos psicológicos, por meio de atividades educacionais e recreativas;

3. Nos campos de desalojamento e desde recentemente em Sinjar, apoiamos as famílias na recuperação de documentos essenciais tais como Carteira de identidade e títulos de propriedade, essenciais para que possam reconstruir suas casas. Também apoiamos os jovens com formação profissional;

4. Através do nosso centro comunitário em Sinjar, facilitamos e coordenamos uma resposta humanitária abrangente entre as organizações de parceiros humanitários e as comunidades, a fim de garantir que as necessidades urgentes sejam atendidas.

Enquanto oito milhões de pessoas no Iraque ainda carecem de ajuda humanitária, segundo estimativas do NRC, quanto os governos locais e estrangeiros, especialmente a coalizão liderada pelos EUA que, ilegalmente contra a ONU e todas as leis internacionais, invadiu e ocupou o país em 2003, devem ser responsabilizados e por que exatamente?

A comunidade internacional deve investir tanto na reconstrução do Iraque quanto nas operações militares contra o grupo do EI. Os iraquianos deslocados sentem-se abandonados um ano após a anunciada derrota do EI.

Há, ainda, uma necessidade imediata de limpar e reconstruir casas, escolas e hospitais para permitir que pessoas voltem para casa. A reconstrução está além da capacidade do que o governo iraquiano possa, sozinho, fazer. As necessidades são imensas.

Nós falamos sobre cidades inteiras e aldeias destruídas. 88 bilhões de dólares são necessários apenas para a reconstrução da infraestrutura básica. O conflito envolveu muitos atores da comunidade internacional, então o apoio é uma responsabilidade coletiva. Esta é a chave para um futuro sustentável.

O governo iraquiano fez muito para facilitar a prestação de assistência aos iraquianos necessitados. No entanto, muito mais precisa ser feito. É imperativo que o governo iraquiano garanta a assistência necessária para recuperar os documentos essenciais, com retorno para casa com segurança, enfim, reconstruir a vida das pessoas. Isso significa que eles precisam facilitar e agilizar o processo para que eles façam isso.

Quais as principais necessidades da população?

Até o momento, 3,9 milhões de pessoas voltaram para casa e cerca de 1,9 milhão permanecem deslocadas em 1,4 milhão de acampamentos, principalmente nas províncias de Ninewa e Anbar. Em 2018, espera-se que mais de oito milhões de pessoas no Iraque precisem de ajuda humanitária, de acordo com o mais recente Plano de Resposta Humanitária (Humanitarian Response Plan).

Enquanto a luta em Mosul e outras áreas, anteriormente nas mãos do Estado islamita, praticamente cessou em 2017, as necessidades humanitárias são imensas. Pessoas deslocadas, particularmente em acampamentos, precisam de serviços de água e de saneamento, além de assistência médica.

3,2 crianças perderam vários anos de escola devido ao conflito. Elas precisam de aulas e apoio psicossocial para poder lidar com os traumas pessoais. Centenas de escolas em todo o país precisam ser reconstruídas, precisam de livros, carteiras, artigos de papelaria e, acima de tudo, professores.

Qual tem sido a resposta oficial a essas pessoas, e como esses oficiais do governo podem ou devem melhor agir em cima dos pontos especificados acima?

Há uma necessidade urgente de se apoiar os esforços de reconstrução e reconciliação no país, que devem ser prioridade para todos. Os iraquianos que tiveram casas ou propriedades destruídas pelos combates, devem ser compensados pelas perdas. Este é um passo concreto que o governo iraquiano pode dar para ajudar as famílias se reconstruir.

Esforços de reconciliação nacional e local, apoiados pela comunidade internacional, também são necessários para ajudar a enfrentar as tensões comunitárias e tribais, ampliadas pelo conflito com o EI.

Finalmente, precisamos ver o fim da punição coletiva de famílias associadas ao EI. Um grande número destas, são chefiados por mulheres e crianças que não cometeram crimes, mas são tratados como culpados por associação e, portanto, impedidos de regressar a suas casas, incapazes de deixar os campos ou de se deslocar pelo país.

Essa discriminação contra familaires de terroristas ou ex-terroristas mortos, é generalizada no Iraque?

Nao, essa situação não é generalizada, mas há muitos casos relatados neste sentido. Precisamos ver o governo se concentrar em acusações criminais individuais, em vez de punir famílias inteiras, crianças e viúvas, por crime que muitas vezes não cometeram.

Confiamos que o governo, em conjunto com as autoridades locais, apoiará os esforços de reconciliação em todos os níveis para evitar a punição coletiva, e encontre soluções duradouras para as famílias que não puderem retornar ao enfrentarem vingança ou exclusão da comunidade.

Como está o estado de espírito dos deslocados iraquianos? 

Apesar da considerável diminuição da violência, os movimentos de retorno estão diminuindo. A maioria dos iraquianos deslocados remanescentes não está disposta ou não pode voltar para casa no próximo ano, já que não tem para onde voltar ou não podem sair do acampamento.

Os iraquianos deslocados sentem-se abandonados pelo governo e pela comunidade internacional. A maioria deles perdeu a esperança.

Alguns temem que o EI possa ressurgir no país, enquanto os terroristas permanecem no norte do Iraque e na fronteira com a Síria. Você tem receio disso, também?

Esperamos que isso nunca aconteça. Os iraquianos sofreram as atrocidades mais terríveis do EI, e agora sofrem com a falta de apoio internacional. Precisamos ter certeza de que a comunidade internacional não os esquecerá.

Mais apoio permitirá que as pessoas deslocadas retornem. Mais apoio garantirá sustentabilidade e inclusão. Esta é a melhor maneira de se evitar que tal catástrofe aconteça novamente.

Você alegou, ao longo desta entrevista, que os iraquianos sofrem diante da falta de apoio internacional. Não será porque invasões e guerras sejam bem mais lucrativas que a reconstrucao de uma nação?

Não é rentável para os 1,8 milhões de iraquianos ainda deslocados e para os retornados que ainda vivem em situação difícil. Muitos doadores estão afastando a cabeça do Iraque, mas as necessidades ainda estão lá.

As necessidades de reconstruir, estabilizar e conciliar a sociedade. Não é hora de abandonar os iraquianos.

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