Não é a China, mas o mundo ocidental quem deve ser definido como “verdadeiro homem doentio”

Não há assim tanto tempo, o “Wall Street Journal” insultou a China, apodando-a de “verdadeiro homem doentio da Ásia”. A China retaliou, e depois os EUA contra retaliaram. As emoções têm estado ao rubro, e foram deportados jornalistas.

Subitamente, vários funcionários chineses exprimiram em público o que muitos na China e na Rússia já há semanas vinham a comentar em sotto voce: se calhar foi o sistema militar dos EUA que trouxe o novo coronavírus (COVID-19) para Wuhan, com o intuito de afectar a China e recuperar o controlo do mundo para o Ocidente, recorrendo a complexas vias paralelas.

Subitamente, o mundo sente-se extremamente desconfortável. O modo como é governado é claramente perverso. As pessoas nem sempre sabem porquê, cingem-se a sentir-se assustadas, irritadiças e inseguras. De certo modo, na realidade, ao longo das últimas décadas sempre se sentiram assim, mas de algum modo começa a “ser demasiado”.

Os países não confiam uns nos outros. As pessoas não confiam umas nas outras. As pessoas não confiam nos seus governos. Despreza-se o capitalismo, mas as nações foram furtadas de quaisquer outras alternativas.

Trabalho à volta do mundo, e constato tudo isto. E o que vejo, não me agrada.

Cada vez mais, receio que o que foi colocado em marcha por Washington e Londres, possa não terminar bem. Que mesmo ao virar da esquina nos aguarde uma tragédia.

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Há muitos anos que venho a alertar que o imperialismo está a assassinar dezenas de milhões de pessoas, todos os anos. Predominantemente o imperialismo ocidental, mas também as suas sequelas em sítios onde as elites aprenderam com os seus ex-mestres colonialistas a brutalizar territórios conquistados, tais como Jakarta, Nova Deli ou Tel Aviv.

Os genocídios e o esclavagismo moderno tornaram-se nos mais vis reflexos da modernidade. Não são os únicos, claro, mas os mais vis.

Recentemente escrevi aqui (NEO), que nunca tinha visto o mundo tão fragmentado.

As viagens, a Internet, as redes sociais – eram todos supostos tornar o mundo melhor, e aproximar as pessoas umas das outras. Não o fizeram. Em meu redor só vejo confusão e desinformação. As pessoas viajam mas não observam nem compreendem. Olham para os ecrãs dos computadores horas a fio todos os dias, como antes costumavam olhar para os ecrãs das televisões, mas nem fazem ideia de como funciona o mundo.

As pessoas costumavam vir até nós, filósofos, à procura de conselhos. Costumávamos interagir. Mas já não. E olhemos para a própria filosofia: cingiu-se a uma disciplina universitária seca, controlada pelo regime. Antes, ser filósofo equivalia a ser-se um pensador. Agora, pateticamente, o filósofo é um indivíduo com um grau académico em Filosofia, emitido por algumas universidades que fazem parte do sistema.

Seja como for, hoje todo e cada indivíduo, pelo menos no Ocidente, acredita ser um filósofo; auto-absorto, a posar e a publicar nas redes sociais, a tirar selfies, com egos grotescamente inchados.

Algo correu mal. Quase tudo correu mal. A humanidade debate-se com um perigo imenso. Porquê? Porque não se compreende a si mesma. Os seus sonhos foram reduzidos a uma qualquer espécie de tristonhas e patéticas ambições. Os seus ideais altivos forjados ao longo dos séculos viram-se diminuídos pela narrativa niilista ocidental.

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E depois, fomos atingidos por um novo coronavírus.

Não subestimem o coronavírus! Pode ter a taxa de mortalidade de uma gripe comum, mas é muito mais perigoso que esta. O seu perigo é predominantemente psicológico e filosófico, muito mais que médico.

Chegou, inesperadamente, e ilustrou ao mundo que já não há qualquer união global, nem qualquer solidariedade.

Os países estão a agir e a reagir de modos extremamente brutais. É assustador. Parece que estamos num mau filme de terror de segunda categoria produzido em Hollywood.

Os governos apontam o dedo uns aos outros, irracionalmente. As linhas aéreas estão a mentir e a roubar os seus clientes, e ao mesmo tempo afirmam que os estão a proteger.

Recentemente “escapei” de Hong Kong, depois da Korean Air ter cancelado os voos para a China sem qualquer cerimónia, não fazendo nada para reencaminhar os passageiros que ficaram retidos. Voei durante 5 dias para a América do Sul, meu lar, por intermédio de vários aeroportos asiáticos, pelas rotas mais bizarras, para Norte e Sul e novamente para Norte, depois via Amesterdão e Suriname, ziguezagueando pelas cidades brasileiras, antes de chegar ao Chile. Peculiarmente, algures neste caminho, fui parar a Seul, onde logo me disseram não ser suposto estar, experienciando na pele o proverbial racismo sul-coreano, e tendo sido sujeito a atrozes humilhações e interrogatórios após desabafar, no portão de embarque antes de partir para Amesterdão, que os norte-coreanos definitivamente tratam as pessoas com muito mais respeito e dignidade que Seul.

Irei escrever muito mais acerca disto, no futuro mais próximo, mas não é esse o tema principal deste peça.

O essencial é o colapso da própria lógica. O comportamento de muitos países tornou-se irracional, e o racionalismo é suposto ser sinónimo de desenvolvimento da humanidade e aperfeiçoamento das vidas dos seres humanos. Agora as coisas só fazem sentido quando as vemos da perspectiva do desejo de controlo e usurpação, de pilhar e humilhar.

E o coronavirus?

Estão os Estados Unidos a tentar aproveitar a situação, monopolizar a cura, salvar a sua economia e moeda, à custa de milhares de milhões de pessoas à escala mundial?

A 15 de Março de 2020, o “The Sun” reportou:

“Assessores de Donald Trump ‘ofereceram somas gigantescas a empresa alemã numa tentativa de obter a vacina do coronavírus exclusivamente para os americanos’.”

Um dia depois, a 16 de Março de 2020, o “Mail Online” detalhava a história:

“Os governantes alemães estão a tentar que a administração Trump atraia a biofarmacêutica CureVac para os EUA para obter as suas vacinas experimentais para o coronavírus em exclusivo para os americanos.

O presidente Donald Trump ofereceu fundos para atrair a empresa CureVac para os EUA. O governo alemão efectuou contrapropostas para convencer a empresa a ficar, de acordo com uma notícia no jornal alemão ‘Welt am Sonntag’.

Uma fonte não identificada do governo alemão revelou ao jornal que Trump está a tentar assegurar que os cientistas trabalhem a título exclusivo, e faria tudo para obter a vacina para os Estados Unidos – ‘mas só para os Estados Unidos.’”

O comportamento do Império mais facilmente nos deixa mais indispostos que o próprio coronavírus.

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Os Estados Unidos ocupam e antagonizam países e depois pune-os quando estes tentam proteger-se. Israel faz o mesmo. E também o fazem a Indonésia, a Índia e a NATO em bloco. A Turquia está a tornar-se uma maníaca. O Irão, a Venezuela e outros gritam, brutalizados sem qualquer razão pelas sanções e pelos embargos. A Rússia é constantemente vilipendiada, só por auxiliar as nações feridas, no Médio Oriente, em África e na América Latina.

Constato tudo isto e pondero: quanto mais pode isto durar? Irá todo este banditismo e idiotice continuar de agora em diante, e será sempre aceite com normalidade?

Mas voltando ao coronavírus. Tem tudo a ver com o que menciono acima, não tem? Milhares de milhões de pessoas estão agora a ser despojadas dos seus direitos e vontades, empurradas e completamente controladas, tudo justificado por uma doença com a taxa de mortalidade de uma gripe comum? E as pessoas terão reparado que as vítimas agora estão a ser tratadas como animais, algo que teria sido inimaginável há um par de décadas atrás.

A China, infectada ou não pelos EUA, está a ser perpetuamente insultada, isolada e caluniada. A propaganda ocidental anti-chinesa instalou-se, quase desde o princípio da pandemia. Quão feio; quão monstruoso!

Os propagandistas ocidentais estão alerta, à espera, a monitorizar o mundo. Como piranhas, atacam com velocidade fulminante, onde quer que se derrame sangue, ou fique exposto um pedaço de carne.

Quando o desastre atinge, aproveitam-se ao máximo das fraquezas do seu oponente. Entram a matar. E não há nada de humano no seu comportamento. É uma investida calculada contra a vítima. É o movimento cirúrgico de um bisturi, concebido para matar, do modo mais aterrorizante.

Por contraste a China reagiu de modo exactamente oposto: quando a Itália foi infectada, os médicos chineses ofereceram o seu apoio. Voaram para Itália com medicamentos e equipamento.

E a China não está só. Onde quer que o desastre assole, em qualquer ponto do mundo, os médicos cubanos e comandos de resgate arrancam logo, desde que lhes permitam viajar e ajudar.

A Venezuela também. Costumava fornecer combustível barato, até mesmo a pessoas necessitadas que por acaso eram cidadãos do seu arqui-atormentador – os Estados Unidos.

E a Rússia, em qualquer das suas formas (como a maior república soviética, ou como a Federação Russa), tem auxiliado dezenas e dezenas de nações dizimadas: ao tratar os seus doentes, ao educar os seus estudantes, construindo infra-estruturas, disseminando cultura através de livros e música, tudo nas línguas locais.

A Rússia não fala muito: faz, desempenha, ajuda. Tal como a China, Cuba e outros.

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Quero ver o mundo unido. Quero testemunhar a humanidade a embarcar num projecto belo: melhorar o planeta, pesquisar, junta, um sistema mais igualitário, sem miséria, sem doenças incuráveis, sem depravação.

Mas não sou ingénuo. Vejo o que o Ocidente e o seu capitalismo e imperialismo extremos estão a fazer ao mundo.

E estou convicto de que só os ismos clássicos são capazes de evocar compaixão e solidariedade nas pessoas. Os propagandistas em Washington e em Londres dizem-vos o oposto; irão mentir-vos e dizer-vos que o comunismo e o socialismo estão mortos, ou pelo menos completamente ultrapassados. Não confiem neles; estejam cientes que os objectivos destes nada têm a ver com o aperfeiçoamento da vida no nosso planeta. O quer que ouçam da parte deles, acreditem no oposto.

Neste momento, a nossa raça humana é como uma pessoa doente, muito doente. Não graças ao coronavírus, mas devido à reacção ao coronavírus.

A China não é de todo o verdadeiro homem doentio da Ásia. Não importa como aconteceu, a China contagiou-se, mas depois ergueu-se, combateu com grande determinação e coragem, e começou a obliterar a doença. Os médicos chineses, as pessoas chinesas de modo geral, agora comemoram. Estão em êxtase. Estão a vencer, os primeiros hospitais para pacientes de coronavírus estão a ser fechados em Wuhan. O seu sistema é nitidamente vitorioso, criado para o povo.

Quase em simultâneo, a China começou a ajudar outros países.

Na realidade, a China e o seu povo estão a comportar-se como é suposto seres humanos comportarem-se. E, se tal é apodado de “doentio”, então o que é “sadio”?

Andre Vltchek

 

Original em inglês: It is Not China, but the Western World that should be Defined as the “Real Sick Man”, New Eastern Outlook, o 24 de Marco de 2020.

 Tradução: Flávio Gonçalves
Andre Vltchek é jornalista de investigação, filósofo, romancista e cineasta. Já cobriu guerras e conflitos em dezenas de países. Entre as suas obras encontramos estas quatro: China and Ecological Civilization com John B. Cobb, Jr., Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o romance revolucionário “Aurora” o e best seller de não ficção política, Exposing Lies Of The Empire”. Pode consultar aqui as restantes obras. Veja Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo e o seu filme/diálogo com Noam Chomsky “On Western Terrorism”. Vltchek reside actualmente no Oriente asiático e no Médio Oriente, continuando a trabalhar em todo o mundo. Pode ser contactado através do seu portal, do seu Twitter e do seu Patreon.

Articles by: Andre Vltchek

About the author:

Andre Vltchek is a philosopher, novelist, filmmaker and investigative journalist. He covered wars and conflicts in dozens of countries. His latest books are: “Exposing Lies Of The Empire” and “Fighting Against Western Imperialism”. Discussion with Noam Chomsky: On Western Terrorism. Point of No Return is his critically acclaimed political novel. Oceania - a book on Western imperialism in the South Pacific. His provocative book about Indonesia: “Indonesia – The Archipelago of Fear”. Andre is making films for teleSUR and Press TV. After living for many years in Latin America and Oceania, Vltchek presently resides and works in East Asia and the Middle East. He can be reached through his website or his Twitter.

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