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Império em construção: o direito estadunidense impõe-se no território europeu.
By Jean-Claude Paye
Global Research, June 03, 2014

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A Bélgica e os Estados Unidos acabaram de concluir um acordo com vistas a aplicar na Bélgica uma lei americana contra a fraude fiscal. Esse é  um acordo para que contas estrangeiras fiquem em conformidade com a lei do fisco estadunidense. Trata-se do denominado FACTA, “Foreing Account Tax Compliance Act”. A assinatura desse acordo se deu em 23 de abril. Vários países tais como o Reino Unido, a França, a Alemanha e o Japão já tinham assinado um acordo com os Estados Unidos para aplicar essa lei em seus respectivos países. A partir do 1º de janeiro de 2015 todos os estabelecimentos financeiros deverão declarar às autoridades americanas os movimentos de uma conta mantida por um cidadão americano. De quando o montante dessas for maior que 50.000 dólares, ou quando um certo número de transações forem efetuadas dentro do território dos Estados-Unidos, o banco deverá fazer um relatório preciso quanto a entrada e saída de fundos dessas contas. Caso um banco não se submeta a este procedimento, todas as suas atividades nos Estados Unidos serão submetidas a um imposto de cerca de 30%. As  penalidades poderão ir até a uma retirada da licença do banco nos EStados Unidos.

Os acordos que foram assinados pelos países membros da União Européia, UE, com a administração estadunidense violam as leis nacionais de proteção individual, assim como a Diretiva 95/46/CE do Parlamento e do Conselho europeu de 24 de outubro de 1995, “relativas a proteção de pessoas físicas e ao tratamento de dados de carácter pessoal, assim como a livre circulação dos mesmos”. Essa é uma diretiva integrada no direito de todos os países membros da UE. A aplicação da FACTA no solo do velho continente europeu viola o direito nacional dos países europeus, assim como o próprio direito da UE. Aqui as suas legislações não são anuladas, mas suspendidas. É conveniente que não se note esse tipo de coisas quando tratando-se dos Estados Unidos.

Acordos precedentes que legalizavam a captura pelas autoridades estadunidenses de dados de cidadãos europeus procedem na mesma. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, Swift, sociedade americana com direito belga, transmitiu clandestinamente ao Departamento da Tesouraria dos Estados Unidos dezenas de milhões de dados confidenciais a respeito das operações financeiras de seus clientes. Apesas dessa flagrante violação de direitos europeus e belgas, essa captura nunca foi  posta em questão. Pelo contrário, a União Européia e os Estados Unidos já assinaram vários acordos destinados a legitimizá-la [1].

Swift está submetido tanto as leis belgas quanto as da comunidade européia pelo fato de sua localização ser em Hulpe, na Bélgica. Entretanto, essa sociedade também está submetida as leis dos Estados Unidos pelo fato da localização do seu segundo server ser no território dos Estados Unidos, o que permite também a administração dos Estados Unidos de se apoderar diretamente dos dados nele contidos. Tem-se então que essa sociedade escolheu violar a lei européia, afim de se subjugar as ordens do executivo estadunidense, mas depois do final de 2009, os dados Swift inter-europeus não foram mais transferidos aos Estados Unidos, mas a um segundo server europeu. Entretanto, se os americanos não tem mais acesso direto aos dados, esses os são transmitidos a eles por procura, e em “pacotes”, sendo que só eles então podem fazer o processamento técnico das informações. Ainda mais, apenas tendo-se concluído as assinaturas dos acordos os estadunidenses começaram a apresentar novas exigências. A administração dos Estados Unidos declarou, já em 2009, “que as transações entre os bancos europeus e americanos deverão ser recolhidas, sem que qualquer necessidade tenha sido verificada no caso.”

A União Européia nunca se opôs a remessas de dados PNR  (de passageiros de vôo) pelas companhias aéreas baseadas em seu solo. As informações comunicadas abrangem os nomes, sobrenomes, endereços, números de telefone, data de nascimento, nacionalidade, número do passaporte, sexo assim também como os endereços da estadia nos Estados Unidos, os itinerários a serem percorridos, os contactos no país, assim como dados médicos também. O mesmo acontece com as informações bancárias, tais como as formas de pagamentos, o número dos cartões de crédito, além da especificação do comportamento alimentar que permitiria a revelação de certas práticas religiosas. A iniciativa unilateral dos norte americanos de se apoderarem desses dados foi automaticamente aceita pela União Européia que teve de suspender suas legislações para atender a essas exigências do outro lado do atlântico.

Nesses dois casos acima mencionados, os dos  passageiros dos serviços aéreos e de transações com o sistema Swift, a técnica usada foi idêntica. Em realidade aqui não se trata de acordos jurídicos entre dois sócios, entre dois poderes formalmente soberanos. Aqui só há uma parte, a administração dos Estados Unidos, que de-facto se dirige diretamente aos cidadãos europeus. Nesses dois contextos o poder executivo americano reafirma seu direito de dispor dos dados pessoais desses cidadãos exercendo assim um poder direto sobre a soberanidade dos cidadãos da União Européia.

A prioridade da lei dos Estados Unidos no solo europeu é como uma forma de amaciamento do terreno para as negociações que querem meter nos devidos lugares de quando das negociações para um grande mercado transatlântico. (Transatlantic Trade and Investiment Partnership – TTIP, ou seja,  Sociedade para Comércio e Investimento Transatlânticos).

Graças a esse TTIP, as empresas dos Estados Unidos poderão, no nome da livre concorrência, entrar com uma ação judicial contra um país que se recuse a permitir a exploração do gás liquidificado [a temida exploração pelo processo por fracking], ou contra os países que quiserem impor normas alimentares, ou padrões sociais. Esse sistema de regras permitiria que os estadunidenses pudessem fazer cair por terra como que quase todos os regulamentos europeus, criando precedentes jurídicos frente a uma justiça particular, americana. A introdução de um tal mecanismo foi em princípio já aceito pelos europeus pelo mandato de negociações dado a Comissão da UE pelos ministros europeus do comércio, em junho de 2013.

A instância maior para a arbitragem entre os interesses particulares e os países seria o Centro internacional de regulamentação para diferenças ligadas a investimentos (Cirdi), que é um órgão dependente do Banco Mundial, o qual é baseado em Washington e onde os juízes, os advogados de negócios, e os professores de direito, são nominados aos devidos cargos, de caso a caso. Um árbitro é designado pela empresa queixosa, um outro por Washington, e o terceiro pelo secretário geral da Cirdi [3].

Se esse procedimento, parcialmente já aceito, entrar em função num cenário de um grande mercado transatlântico num futuro não distante o direito europeu se desfazerá de uma vez por todas frente a essa jurisdição particular localizada no solo estadunidense. Nesse sistema os Estados Unidos tem um papel central, e determinante

 Jean-Claude Paye

 

Jean-Claude Paye, sociólogo, autor de L´emprise de l´image. De Guantanamo à Tamac, edições Yves Michel, novembro 2011.

 


[1]    Jean-Claude Paye, « Les transactions financières internationales sous contrôle américain, Mondialisation.ca, le 2 mai 2008, http://www.mondialisation.ca/les-transactions-financi-res-internationales-sous-contr-le-am-ricain/8879

[2]    Jean-Claude Paye, « L’espace aérien sous contrôle impérial », Mondialisation.ca, le 15 octobre 2007,http://www.mondialisation.ca/l-espace-a-rien-sous-contr-le-imp-rial/7080

[3]    Convention pour le réglement des différents relatifs aux investissements entre Etats et ressortissants d’autres Etats, International Centre for Settlement of Investissement Disputes ( ICSID), chapitre de l’arbitrage article 37, https://icsid.worldbank.org/ICSID/StaticFiles/basicdoc-fra/partA-chap04.htm#s02

 

Traduzido por Anna Malm, artigospoliticos.wordpress.com, para Mondialisation.ca

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