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“Chávez devolveu ao povo o sentimento de orgulho e dignidade nacional”, diz ministro da Comunicação
By Salim Lamrani
Global Research, April 07, 2013
Opera Mundi
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Leia abaixo a segunda parte da entrevista exclusiva de Opera Mundi com o ministro de Comunicação da Venezuela, Ernesto Villegas.

Opera Mundi: Em que estado de ânimo está o povo venezuelano depois da morte do presidente Hugo Chávez?
Ernesto Villegas: Estamos todos muito tristes e tratamos de assimilar uma realidade difícil de aceitar. Um longo processo de dor está percorrendo a Venezuela. Nossos compatriotas, inclusive alguns adversários do presidente, não acreditam que já não está fisicamente entre nós. Estamos em uma espécie de espera de uma eventual volta, de um pronunciamento público de Chávez, de um próximo programa Aló, Presidente. Acostumamos-nos tanto com sua presença ao longo desses últimos 14 anos, nos quais exerceu o poder político, sem falar de sua presença na vida nacional desde 1992, o que torna difícil nos resignarmos diante de sua partida.

Trata-se de uma das pessoas mais destacadas da história venezuelana. Deixou uma marca que não pode ser apagada da vida política de nossa pátria, e por isso, apesar de seu desaparecimento físico, o presidente Hugo Chávez sempre estará presente no futuro e nos acompanhará a construção de uma sociedade que queremos melhor e mais justa. Chávez está em todas as partes, pois nos indicou o caminho a seguir para alcançar a independência plena e definitiva de nossa nação. O projeto emancipador e soberano lançado por Hugo Chávez é um processo em construção que estamos fazendo em todos os cantos da Venezuela. A obra de Chávez é palpável não apenas na realidade material, em sua gestão de governo, mas também no campo subjetivo da esperança. Chávez semeou uma semente de esperança no povo e ela está germinando.

 

Milhares de venezuelanos se concentram nas ruas de Caracas para acompanhar cortejo fúnebre de Hugo Chávez
OM: As imensas manifestações de dor e de tristeza populares marcaram amplamente o mundo inteiro. Como se explica este fervor nacional em relação a um presidente?

EV: É que perdemos um membro da família, e não é qualquer membro. Perdemos nosso pai, nosso pai político e histórico, o pai desta Revolução, o pai de nossas lutas, mais também nosso pai, do ponto de vista simbólico. Chávez era um membro da família venezuelana, sem dúvida é o mais importante, quem abriu os olhos da comunidade nacional. Por ele se discutiu, por ele se chorou, por ele se riu. Graças a ele a esperança voltou a nascer entre nós. Adultos puderam se alfabetizar, se educar e dispor, por fim, de um status de cidadão ativo na nossa sociedade. Muitos lares venezuelanos, pela primeira vez em sua vida, tiveram acesso à leitura, aos livros, à cultura. Graças a Chávez, nos encontramos de novo com nossa identidade nacional, com nossa autenticidade venezuelana, com nosso Libertador Simón Bolívar e com nossa história bolivariana. Voltamos a descobrir o conceito de pátria e pudemos entender melhor os desafios de nossos tempos. Em uma palavra, Chávez nos permitiu encontrar nosso sonho comum.

OM: O povo venezuelano perdeu então quem deu a voz aos pobres.

EV: Por isso a dor foi tão forte. Sabemos disso e a dor foi muito forte. Soubemos de sua desaparição em 5 de março de 2013 e, no dia seguinte, o povo invadiu as ruas para prestar homenagem ao presidente, acompanhá-lo do Hospital Militar até a Academia Militar e manifestar sua tristeza.

Foi produzido um novo 27 de fevereiro depois do desaparecimento de Chávez, um novo Caracazo, como o de 1989, quando o povo se levantou contra a miséria e as políticas de austeridade. Com uma diferença: desta vez, o povo tinha um objetivo preciso: acompanhar o Comandante Chávez na Academia Militar. Se o 27 de fevereiro de 1989 foi um Caracazo social, o 6 de março de 2013 foi um 27 de fevereiro político.

OM: As manifestações foram impressionantes.
EV: Foram feitas homenagens de modo massivo. Houve famílias inteiras que esperaram horas e dias para ver o presidente Chávez. Uma vez cumprido o ritual, o povo regressou a sua casa. Nas ruas havia centenas de milhares de venezuelanos, e constituem uma força política, social e física extraordinária. Era um vulcão humano, uma maré humana de um poder nunca visto. Em outro contexto, o vigor desta multidão havia devastado tudo em seu caminho. Mas neste caso, precisamente, a marcha foi pacífica graças a Hugo Chávez, pois deixou instruções ao povo.

OM: O senhor se refere ao seu último pronunciamento televisivo de 8 de dezembro de 2012.
EV: Correto. Explicou qual era o caminho a seguir no caso de não sobreviver a sua doença, a essa emboscada que o destinou lhe colocou. Se não tivesse mandado essa mensagem ao povo, quem sabe o que poderia ter acontecido na Venezuela. O poder desta massa humana é capaz de destruir qualquer coisa. O povo poderia ter atacado os meios privados que não deixam de macular e desprezar o presidente Hugo Chávez durante os últimos catorze anos, atacando diretamente a ele e a vontade nacional. No entanto, não aconteceu nada, pois o povo recebeu a mensagem pacífica de Chávez a favor da ordem e da união. Chavéz tomou as medidas necessárias para evitar isso. Esta força está ali, latente, com Hugo Chávez como líder espiritual, mais vivo do que nunca, apesar de seu desaparecimento físico, porque as ideias nunca morrem.

OM: Chávez sempre preferiu a comunicação direta com o povo.

EV: Chávez tinha tanto entusiasmo, que multiplicava as ideias quando seus assessores de comunicação lhe recomendavam que não se expusesse tanto. Em 1999, falávamos dele e pensávamos que corria muitos riscos porque as forças conservadoras opostas ao processo bolivariano eram muito poderosas. Ele, ao contrário, pensava que era preciso expor a integralidade do projeto emancipador do povo. Naquela época, não podia saber que essa terrível doença lhe afetaria. Retrospectivamente, entendemos que acertou e que tinha que revelar isso para toda a nação. Nos deixou milhares de horas de comunicação direta com os venezuelanos e um laço afetivo que não pode ser desfeito com o povo, que fazem parte do legado da Venezuela de hoje.

OM: A figura de Hugo Chávez, militar por formação, apareceu no cenário político nacional em 4 de fevereiro de 1992, depois do levante armado contra o presidente Carlos Andrés Pérez, em um contexto mundial marcado pela derrota das ideias progressistas e da hegemonia do Consenso de Washington.
EV: Com o desmantelamento da União Soviética em 1991, as esquerdas do mundo inteiro se encontravam em plena debandada. Graças a Chávez, muitos militantes de esquerda voltaram a encontrar a via do socialismo. Chávez também sintetizou nossas raízes religiosas, proclamando-se abertamente cristão. Assim, conseguiu a adesão e o fervor dos fiéis e os uniu não apenas com militantes ortodoxos do marxismo-leninismo, mas também aos militares que, em outros tempos e sob outra liderança, haveriam rechaçado a aliança com as categorias contras as quais estiveram em guerra. Chávez foi o elemento que federou. Conseguiu unir as forças políticas, religiosas e ideológicas heterogêneas. Por isso, um conglomerado gigantesco de pessoas distintas, procedentes de horizontes diferentes, se identificou com Chávez.

OM: Mas sua base é sobretudo popular.
EV: Evidentemente, o apoio majoritário a Chávez vem de setores populares que historicamente foram marginalizados, separados e ignorados. Estas categorias, ainda que majoritárias, eram maltratadas, depreciadas, discriminadas, excluídas da sociedade. Encontraram em Chávez uma referência, um representante e defensor de suas aspirações, uma esperança que os tornou visíveis. Chávez estabeleceu um laço especial com o povo. Ele mesmo procede do povo e se levantou em 1992, três anos depois do levante popular de 1989. Houve um diálogo entre as ruas e o quartel, e Chávez era o interlocutor do quartel e acabou se fundindo com as ruas. Tornou-se assim o líder o quartel e das ruas, dos militares progressistas bolivarianos e do povo.

OM: Que legado deixou para o povo venezolano e para o mundo?
EV: Chávez colocou o ser humano no centro de nosso projeto bolivariano, particularmente nas categorias mais desfavorecidas. Devolveu ao povo o sentimento de orgulho e dignidade nacional. Uniu no mesmo corpo o povo e a força armada. Chávez mudou completamente as relações internacionais e teceu laços sólidos com muitos países do mundo. Trinta e três mandatários e 57 delegações participaram da cerimônia fúnebre do Presidente. Chávez teceu laços não apenas comerciais com essas nações, mas também uniu os povos e inclusive estabeleceu relações muito pessoais com os dirigentes desses países. Chávez estabeleceu um novo paradigma nas relações internacionais. Na Venezuela, nos acostumamos com a tecnocracia diplomática que supunha que a chancelaria se encarregava das relações com o resto do mundo, quanto era apenas uma extensão do poder presidencial. Chávez, ao contrario, desenvolveu laços muito pessoais com chefes de Estado, o que lhe permitiu ter excelentes vínculos com  dirigentes tanto de direita como de esquerda. Fez com que as diferenças ideológicas não fossem um obstáculo para as relações, como é o caso com a Colômbia ou com o Chile, que têm escolhido orientações políticas diferentes das nossas. Chávez também teve boas relações com governo europeus que não compartilham de sua visão de mundo.

Salim Lamrani

Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Universidad de la Réunion e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula The Economic War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S. Blockade, New York, Monthly Review Press, 2013, com um prólogo de Wayne S. Smith e um prefácio de Paul Estrade.
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