“A educação é muito importante no processo de emancipação de um povo, mas não pode ser reduzida apenas à transmissão de conteúdo.” Anita Leocadia Prestes: professora, historiadora, militante

Entrevista/ 2021-2022
Anita Leocadia Prestes: professora, historiadora, militante*

Anita Leocadia Prestes: professora, historiadora, militante Anita Leocadia Prestes: teacher, historian, militant

Yuri Martins-Fontes es doctor en Historia Económica (USP-Brasil/CNRS-Francia), con estudios posdoctorales en Ética y Filosofía Política (USP) e Historia, Cultura y Trabajo (PUC-SP); escritor, filósofo y coordinador del Núcleo Práxis da USP. 

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A professora, historiadora e militante comunista Anita Leocadia Prestes segue ativa em sua militância, pesquisando, produzindo livros preciosos à historiografia nacional, palestrando a jovens estudantes e militantes sociais, divulgando suas ideias críticas que têm por horizonte o socialismo e emancipação humana – a revolução necessária que, pode tardar, mas chega.

Em meados do ano passado, a professora se engajou em alguns dos projetos de educação socialista do Núcleo Práxis de Pesquisa, Educação Popular e Política da Universidade de São Paulo. Sua participação, rica em conteúdo e postura de vida, suscitaria, mais tarde, no âmbito de uma reunião da coordenação desta entidade político-educacional, a ideia de uma entrevista dialógica. O diálogo foi então construído paulatinamente, ao longo dos meses seguintes. Neste processo contei com significativos aportes – revisões e críticas – de camaradas, dentre os quais agradeço especialmente aos professores e também coordenadores do Núcleo Práxis: Paulo Alves Junior (Unilab), Solange Struwka (UNIR) e Pedro Rocha Fleury Curado (UFRJ)1.

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Entre dezembro de 2021 e março passado – mês em que a agremiação política pela qual Anita militou durante grande parte da vida, o Partido Comunista Brasileiro, celebrava um século de existência – mantivemos este denso e prazeroso colóquio, ora por videoconferência, ora por escrito, o qual se apresenta a seguir. Nele, Anita Prestes expõe, com a franqueza que lhe é característica, suas impressões acerca da realidade histórica brasileira e internacional, inclusive comentando o recente capítulo ucraniano da nova Guerra Fria; trata da trajetória do centenário PCB, do comunismo, e das dificuldades da conjuntura política do país e do mundo; conta-nos ainda algo de sua própria história e da de seus pais, e expõe sua visão sobre a importância da educação, engajamento e compreensão do marxismo para a efetividade das lutas sociais.

* Entrevista publicada originalmente na Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, da UEG, no primeiro semestre de 2022, como parte do dossiê temático “100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB)”. Disponível em:

https://www.revista.ueg.br/index.php/revista_geth/article/view/13222.

Nossa última conversa, fechando a entrevista, deu-se no simbólico 8 de março de 2022, Dia Internacional das Mulheres, ocasião em que a professora lembrou que tal comemoração era inicialmente realizada por socialistas, e que somente mais tarde a data passaria a ser adotada também pela burguesia, como forma de tentar esvaziar – como fazem com tantas outras datas e causas – sua face reivindicativa.

Apresentação: Anita Prestes

Nascida às vésperas da Segunda Guerra Mundial, em um cárcere feminino da Alemanha nazista, Anita Prestes se radicou no Brasil somente após o fim do Estado Novo, já com nove anos de idade. Sobreviveu a ditaduras, foi exilada e vivenciou golpes de estado – o último agora em 2016, sobre o qual, observa ela, passamos a viver nova época de “desrespeito aos direitos fundamentais”.

Docente de História do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro – desde o início dos anos 1990, hoje aposentada –, e do Programa de Pós-graduação em História Comparada da mesma universidade, Anita se gradua inicialmente em Química Industrial, também pela UFRJ, nos anos 1960; aí mesmo conclui seu mestrado em Química Orgânica – profissão que entretanto não chegou a exercer, dado o pronunciado anticomunismo de então.

Desde os anos 1950, foi militante da União da Juventude Comunista, ala jovem do PCB. Já no começo dos anos 1970, perseguida pela ditadura militar que se instalava, tem de se exilar: segue para a União Soviética, onde em 1975 defende seu doutorado em Economia e Filosofia, pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou (URSS). Regressa ao Brasil em 1979, depois da Lei de Anistia. Em 1989, termina seu segundo doutoramento, agora em História Social, pela Universidade Federal Fluminense, com tese intitulada “A Coluna Prestes”.

É autora de mais de uma dezena de livros, dentre eles algumas obras historiográficas com precioso trabalho documental, publicadas nos últimos anos, em que sua atividade tem sido intensa. É o caso das ricas biografias políticas de seu pai, Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista (Expressão Popular, 2006), e Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (Boitempo, 2015); da biografia de sua mãe, Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo (Boitempo, 2017), em que além de apresentar detalhes da intensa vida da militante comunista alemã, traz documentos históricos raros; e mais recentemente, também da obra memorialística Viver é tomar partido: memórias (Boitempo, 2019), em que Anita Prestes narra sua história de vida e expõe seu pensamento e ideais, relacionando também a narrativa a aspectos chave da história mundial.

Assim como seu pai, criador de três escolas e sabedor da importância do ensino como um dos passos para a revolução, a professora Anita é uma firme defensora da educação política popular. No ano passado, em plena crise generalizada – política, sanitária e, vale dizer, para tantos também psicológica –, com ânimo exemplar ela se dispôs a ministrar curso sobre o pensamento de Lênin – “Luta de classes, estado e democracia” –, no âmbito do referido projeto educacional do Núcleo Práxis-USP, uma atividade gratuita periódica voltada para a formação política de estudantes, trabalhadores e militantes de partidos, movimentos sociais e associações comunitárias. Não bastasse sua elogiada contribuição enquanto educadora, que em participação concorrida atraiu mais de uma centena de jovens e militantes sociais (curso disponível na rede), Anita vem colaborando ainda com outro impactante projeto dessa instituição, vinculada ao Laboratório de Economia Política e História Econômica (LEPHE-USP): o “Dicionário Marxismo na América”, enciclopédia histórica do pensamento dialético da práxis de nosso continente, cuja pesquisa e organização começou em 2020, e que está em vias de trazer ao público verbetes com as contribuições ao materialismo histórico de mais de uma centena de marxistas americanos, incluindo análises críticas da militância e obras desses autores que desenvolveram por aqui o pensamento iniciado por Marx e Engels – para que os novos revolucionários do século XXI possam recordar e fazer reviver essas belas histórias de vida, atuação teórica e política2.

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Entrevista com Anita Prestes

YMF: Professora Anita, queria agradecer sua disposição para esta conversa, em que se pretende tratar de temas menos abordados em outras de suas entrevistas. Inicialmente, você poderia nos falar um pouco de sua formação educacional e política desde a infância até a juventude? E ainda, você iniciou estudos nas ciências naturais, por vezes chamadas (equivocadamente) “exatas”, e somente depois enveredou pelas ciências humanas; esta passagem pelas ciências naturais, pela cientificidade técnica mais estrita, pragmática ou “objetiva”, aportou-lhe algo de significativo, de duradouro em sua trajetória filosófica rumo ao comunismo marxista?

ALP: Agradeço o interesse pela minha trajetória de vida. Devo lembrar que cresci e fui educada numa família comunista: primeiro minha avó paterna Leocadia Prestes e minha tia Lygia Prestes, depois, a partir dos nove anos, com a vinda para o Brasil, o convívio com meu pai assim como com numerosos companheiros comunistas. Sou fruto desse ambiente e naturalmente fui aos poucos aderindo às ideias comunistas, que sempre me pareceram as mais justas.

Quando tive que fazer a escolha de uma profissão, optei por Química Industrial, que naquele momento me atraía muito pela perspectiva de poder me dedicar à pesquisa voltada diretamente para uma aplicação industrial e, ao mesmo tempo, a oportunidade de trabalhar numa grande empresa e participar da vida sindical dos seus trabalhadores. Cheguei a fazer estágio na fábrica de borracha da Petrobras, a Fabor, em 1963 e 1964. O término do meu curso na então Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil foi em junho de 1964, e eu já tinha assegurada minha contratação nessa unidade da Petrobras. Entretanto, com o golpe de 1o. de abril de 1964, todas as portas se fecharam para mim, tanto na Petrobras quanto em qualquer outra empresa. O anticomunismo era uma realidade e eu, filha de Prestes, um alvo preferencial. Ainda, com a ajuda de um professor, consegui uma bolsa da Capes e pude fazer um mestrado em Química.

Ao mesmo tempo, eu era uma ativa militante do PCB e, para dar continuidade às atividades no partido fui forçada a ingressar na clandestinidade, em que permaneci vários anos até o início de 1973, quando com a ajuda dos companheiros saí do país e me exilei na URSS, pois no Brasil corria o risco de ser presa, torturada e inclusive “desaparecida”, como aconteceu com tantos outros companheiros durante aqueles “anos de chumbo”.

Certamente, todos os conhecimentos que adquirimos durante a vida são úteis; mas não sei precisar em que medida o contato com as ciências naturais contribuiu para minha assimilação da teoria marxista e atuação política no PCB e, posteriormente, fora desse partido, na luta pelos ideais socialistas e comunistas que abracei desde muito jovem.

YMF: Você poderia nos narrar brevemente como se deu seu ingresso e trajetória nas atividades de militância política do PCB, agremiação partidária que é parte contundente da construção histórica do Brasil contemporâneo – e que ora completa um século de existência? Na década de 1950 você já atuava na União da Juventude Comunista, participou de greves secundaristas; como foi este começo? Além de sua própria história de vida e, claro, da influência de seus pais, quais foram as pessoas, companheiros, coletivos, ambientes que atraíram a jovem Anita para o ativismo socialista? Como era o dia a dia de uma estudante e militante em meados do século XX?

ALP: No início do ano de 1950, com 13 anos de idade ingressei na Juventude Comunista aqui no Rio, onde morava com minhas tias, pois meu pai, desde o final de 1947 vivia na clandestinidade, uma vez que fora decretada sua prisão preventiva. Participei de uma greve contra os “tubarões do ensino”, ou seja, contra os donos de escolas particulares que haviam aumentado muito as mensalidades escolares. Eu cursava o segundo ano ginasial numa escola, cujo dono era simpatizante do PCB e, tanto eu quanto outros filhos de comunistas, estudávamos de graça. Era uma escola de composição bastante popular e, portanto, não havia sentido levar à frente uma greve contra seu diretor, que cobrava preços populares dos alunos. Mas, naquela época, eu não tinha maturidade suficiente para entender isso, e me recusar a participar de uma decisão, errônea, naquele caso.

Pouco depois, por decisão da direção do PCB, fui enviada para Moscou acompanhada pela minha tia Lygia, pois no ambiente de “guerra fria” então existente a família recebia muitas ameaças e temia-se a possibilidade de eu vir a ser sequestrada. Nos sete anos que vivi e estudei na URSS, onde fiz todo o curso secundário, solicitei e obtive permissão para ingressar e participar das atividades da Juventude Comunista da União Soviética (o Komsomol), o que certamente contribuiu para minha formação como militante comunista.

Ao regressar ao Brasil, no final de 1957, procurei me reintegrar à realidade brasileira e, a partir, de 1959 passei a atuar numa base estudantil universitária do PCB, no Rio de Janeiro. Ao ingressar na Escola de Química, no início de 1960, dei continuidade à minha atuação no movimento estudantil e fui membro do Comitê Universitário do PCB nesse estado. Com o golpe de 1964, passei a atuar clandestinamente nas atividades do PCB, principalmente no estado de São Paulo.

YMF: Na apresentação desta nossa conversa, mencionava a importância que você, assim como seu pai, dão à educação, sobretudo a educação popular, como fator imprescindível no processo de uma construção revolucionária. Em seu livro “Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro” (2015), entre outros, em que a professora revela nuances da atuação e pensamento político desse grande líder comunista, consta que ele chegou a criar três escolas, tendo atuado inclusive como professor. Esta valiosa preocupação do então jovem tenente com a educação soa como algo inusitado, pouco comum, ainda mais se olhamos o irracionalismo e antinacionalismo que caracterizam hoje grande parte das forças armadas brasileiras. Para Prestes, que viveu uma outra época da instituição militar, era fundamental educar os jovens para transformá-los em cidadãos conscientes da realidade do país; e de fato seu esforço surtiu efeito. Como relatado em seu artigo “L. C. Prestes: um jovem militar empenhado na educação de seus subordinados”, a experiência pedagógica de seu pai, empreendida na Companhia Ferroviária de Deodoro (RJ), serviu-lhe de modelo para o trabalho educacional que organizaria, quando transferido ao I Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo (RS). Através desta “relação pedagógica”, que incentivava a iniciativa dos soldados, sem desprezar a disciplina – e que excluía a violência dos castigos corporais –, ele consegue conquistar “hegemonia” junto a seus subordinados, consolidando mais tarde, a partir desta prática como educador, o grupo que, saído desta unidade militar, viria a se tornar a “espinha dorsal da Coluna Prestes”, após os levantes de 1924. Você poderia comentar este singular episódio da história brasileira?

ALP: Efetivamente, meu pai, Luiz Carlos Prestes, desde muito jovem revelou preocupação com a educação dos seus subordinados não apenas no sentido de elevar seu nível de conhecimentos, de alfabetizá-los, pois eram em sua maioria analfabetos, mas também transformá-los em cidadãos conscientes do seu dever de participar da construção de um futuro de justiça social e democracia para todos os brasileiros. Certamente ele sofreu a influência da mãe que, desde muito jovem, quis ser professora; e que, quando afinal já viúva, livre das restrições familiares, conseguiu trabalhar no magistério da cidade do Rio de Janeiro, passaria a dar aulas nos subúrbios, em escolas noturnas para mulheres das camadas populares, empregadas domésticas, comerciárias, etc.

Durante os anos de atuação no Exército brasileiro, seja no Rio de Janeiro, seja no Rio Grande do Sul, o jovem Prestes, primeiro como tenente e depois como capitão, tratou de criar escolas e educar seus subordinados – no sentido amplo deste termo. Tal comportamento da parte de um oficial do Exército era naquela época totalmente inusitado, pois em geral os subordinados eram maltratados pelos seus superiores, assumindo atitudes elitistas, e com frequência adotando os castigos corporais como maneira de supostamente “educar” os recrutas e soldados. O trabalho pedagógico realizado por Prestes tanto no Rio de Janeiro quanto no Rio Grande do Sul deu-lhe enorme prestígio junto aos seus subordinados, o que contribuiu decisivamente para que estes o acompanhassem com entusiasmo e dedicação durante toda a epopeia da Coluna Prestes.

YMF: Qual é, na sua opinião, a importância da educação, da educação popular, no caminho de construção do que Gramsci chama de “hegemonia”, e que tem como base algumas premissas culturais, ou seja, intensos e continuados trabalhos de crítica que precedem, diz o marxista italiano, “toda revolução”? A educação, embora sujeitada e limitada pelas classes dominantes, sempre pode ter um teor emancipatório, subversivo – como bem observa Paulo Freire 3. Em que circunstâncias e até que ponto a educação é revolucionária?

ALP: No que me diz respeito, da mesma maneira que meu pai, considero que o trabalho pedagógico junto aos setores populares não deve estar desligado da atividade prática de Vide, dentre outras obras: FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997. Participação na luta pelas causas justas, que podem mobilizar em diferentes momentos os diversos setores da população. Os escritos de Antonio Gramsci referentes à atividade pedagógica dos comunistas também têm esse sentido. Aliás, V. I. Lênin, o principal artífice da Revolução Russa de 1917, escreveu muitas vezes a respeito da importância da articulação do conhecimento teórico do marxismo com a atividade revolucionária transformadora da sociedade. O conhecimento teórico desligado da prática revolucionária é totalmente ineficaz, estéril.

A educação é muito importante no processo de emancipação de um povo, mas não pode ser reduzida apenas à transmissão de conteúdo: o conhecimento livresco não é suficiente. Para além dele, é fundamental estar engajado nas lutas sociais que acontecem nos locais de trabalho, de estudo; todos os setores têm suas reivindicações, é preciso participar destes movimentos. Reivindicações não faltam: saúde, moradia, o próprio ensino. Não se trata de esperarmos um suposto “grande dia da revolução”; temos de construí-lo. Uma comunidade popular não se mobiliza de uma hora para outra: é no processo de se unir e lutar por pautas específicas, que começa o aprendizado da organização popular. Antes de se transmitir a teoria marxista a uma comunidade, antes de se tentar promover o envolvimento popular em lutas mais gerais, é preciso aproximar-se das pessoas e de suas realidades, somar forças – o que se dá através das lutas específicas. Depois, deve-se ir mais adiante: mostrar que a teoria é necessária. O ensino não deve ser só teórico. Isto cria no máximo “marxólogos”, mas não “marxistas”.

No PCB, durante os anos da legalidade (1945-1947), houve um interessante trabalho de base – os Comitês Democráticos Populares –, que buscavam atuar em torno das reivindicações dos trabalhadores; uma de suas principais demandas era a alfabetização – o que tinha uma motivação diretamente política, já que nessa época era proibido o voto dos analfabetos. Outra medida então adotada pelo PCB foi a criação de organizações partidárias de base femininas, importantes no combate ao machismo – muito presente mesmo entre os membros do partido; tentava-se contribuir para que os militantes percebessem que a luta pela emancipação da mulher não pode estar desligada da luta de classes. Mas logo depois veio a repressão e essa importante experiência foi destruída.

Querer organizar um grupo popular com a proposta de discutir diretamente o socialismo não funciona, pois isso não faz parte da realidade do povo. As pessoas se organizam em torno daquilo que elas estão sentindo. Vivemos uma época em que as massas estão muito despolitizadas. Para formar o “bloco histórico” de que falava Gramsci exige-se tempo e trabalho paciente de organização. Não se deve esperar resultados rápidos; ou levantar palavras-de-ordem abstratas, avançadas, mas que não fazem sentido à grande maioria. Tem-se usado bastante uma consigna que a meu ver é falsa: “o povo deve ir para a rua”. É falsa, pois as pessoas vão para as ruas desorganizadas e voltam para casa desorganizadas. Falta um trabalho prévio de organização popular nos locais de trabalho e de convivência, trabalho necessário para que os setores populares tenham condições de influir na vida nacional e chegar a mudar seu rumo.

YMF: Na ocasião do aniversário de 100 anos do PCB – este partido histórico que entre construções e reconstruções, contribuições teóricas, ações políticas, críticas e autocríticas, inscreveu-se com profundidade na história contemporânea do Brasil –, tratemos de um problema bastante grave: o discurso dominante dos momentaneamente vencedores, esta mistura de modulação de opinião pública e misticismo, com toques de arrogância, com que o capital tenta dissipar aos olhos desatentos os ventos da crise estrutural. Completou-se, há pouco, 30 anos do dia em que oportunistas, que estavam na direção então “reformista” do PCB, tentaram dissolver o partido, e inclusive proibir o uso da própria sigla, mediante um golpe interno “liquidacionista” que só não se levou a cabo devido à ação firme de resistência e depois de reconstrução promovida pelo Movimento Nacional em Defesa do PCB, liderada, entre outros, por Ivan Pinheiro. Os golpistas, hoje já esquecidos pela história e agonizantes do neoliberalismo em declínio – cujo partido de ocasião, na época fundado com nome ainda “socialista”, já deixou de existir, diluindo-se entre a direita “liberal” e o poço fisiológico do “centrão” –, agiram no embalo da campanha ideológica patrocinada pelos EUA, cujo lema propagado às massas do globo era: “chegamos ao fim da história”. Como a professora observa em artigos dedicados ao centenário do partido, a política pecebista vinha já há algumas décadas sendo marcada pelo “aliancismo”, a estratégia da revolução em “etapas”, desvio que culminaria nesse golpe partidário de 1992. Que fatores levaram o comunismo brasileiro a esta situação?

ALP: Por volta de 1979 e 1980, Luiz Carlos Prestes, que era ainda o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, entendia que haviam se esgotado as possibilidades de conciliação com o grupo então dirigente deste partido, considerando, inclusive, que a militância partidária que vinha sendo formada nos últimos tempos havia tido sua formação sob a égide da estratégia nacional-libertadora (o que vigorou durante décadas na trajetória política pecebista). Como ficara evidente, tal orientação não poderia condicionar a formação de um partido e de uma militância voltados para os objetivos da revolução socialista.

Na prática, a militância partidária tinha sido preparada para a realização dos objetivos “nacionais-libertadores”, definidos no programa do PCB – ainda que os comunistas brasileiros tenham estado sempre à frente de todas as causas justas que mobilizaram os setores populares no país. Porém, um partido nacional-libertador não poderia conduzir os trabalhadores e as massas populares rumo à revolução socialista; ficaria restrito à luta pela emancipação nacional – entendida como eliminação da dominação imperialista e do latifúndio, com vistas a se garantir um suposto “capitalismo autônomo”. Como escreveu Prestes: “é impossível construir um partido efetivamente revolucionário, capaz de enraizar-se na classe operária, se se baseia numa falsa concepção da revolução” 4.

Durante os anos 1980 o PCB sobreviveu, decadente e adesista ao Governo, com sua direção dominada pelos remanescentes do chamado “pântano” – o grupo que era majoritário no Comitê Central (CC) do partido, assim denominado devido a suas posições de centro, indefinidas, conciliadoras e sem princípios –, cujo controle da máquina partidária lhes permitiu garantir a reeleição ao CC em seguidos congressos partidários, até 1992. Nesse ano ocorreu a cisão encabeçada por Roberto Freire, com a fundação do hoje já extinto Partido Popular Socialista (PPS), e a manutenção da sigla do PCB por um grupo minoritário de militantes, entre os quais havia alguns membros do CC que fora coordenado por Giocondo Dias e Salomão Malina (conhecidos articuladores do “pântano”).

De certo modo, o antigo e tradicional PCB deixou de existir da forma como era – um fenômeno que ocorreu não só no Brasil, mas de uma maneira geral, no cenário mundial, em grande medida fruto da derrota do socialismo existente na União Soviética e nos países socialistas do Leste Europeu.

YMF: Após a derrota econômico-política da URSS na Guerra Fria, impulsionada, como explica I. Mészáros [5], pela crise estrutural capitalista, dá-se a consolidação da hegemonia estadunidense, o que culminaria no panfletário – e até ingênuo – discurso de “fim da história”. Momentaneamente sem rivais, os EUA reinaria por toda a década de 1990. Neste período de refluxo conservador, as lutas marxistas mais ativas, sobretudo as que envolvem enfrentamentos diretos – caso de guerrilhas socialistas e comunistas (FARC-EP e ELN, na Colômbia, EZLN, no México), de movimentos sociais de resistência (MST), e de governos democrático-socialistas (Cuba) ou mesmo de viés social-desenvolvimentista (Venezuela) –, passaram a ser perseguidas não só pela força das armas e a asfixia econômica, mas também através de forte investimento em propaganda. Mais tarde, contudo, nos anos 2000, a hegemonia dos EUA começa a arrefecer, dando espaço à multipolaridade em que ascende o bloco de oposição liderado por Rússia e China, época na qual diversos governos progressistas chegam ao poder. Porém, com a crise econômica mundial de 2008, as dificuldades das nações periféricas se agravam, abrindo-se novo período de golpes pelo mundo, como se tem visto pela América. Já para além dos oceanos, a OTAN, comandada desde Washington, parece querer cercar seus opositores mais contundentes: China e Rússia. Neste movimento, vemos agora mais um conflito deflagrado, na Ucrânia – país até então com estatuto de “neutro”, mas que após o recente golpe “laranja”, incentivado publicamente pelos EUA e UE, estava na iminência de ingressar nessa aliança militar atlântica como mais um subalterno dos estadunidenses. Neste contexto histórico adverso, como a professora entende a atual conjuntura política internacional?

ALP: De fato, a OTAN está cercando a Rússia. Se a Ucrânia ingressasse nesta organização, seria um perigo para os russos e para a estabilidade geopolítica. Após a queda da União Soviética, por um período os Estados Unidos dominaram o mundo sem contestação. Com a ascensão de Vladimir Putin, a economia da Rússia foi reorganizada e o país voltou a desempenhar um papel importante na arena mundial. A Rússia é hoje um país capitalista, e Putin, um líder autoritário; mas não se trata de uma potência imperialista nem fascista. Já na Ucrânia de hoje, após o golpe de 2014 que depôs o presidente eleito Viktor Yanukovych, temos um regime de tipo fascista.

Do ponto de vista geopolítico, é positiva para a luta das forças progressistas mundiais a divisão de forças presente hoje no cenário internacional, entre China e Rússia de um lado, e Estados Unidos de outro. Mas os EUA não vão admitir a consolidação desse equilíbrio: temos, por exemplo, desde o início deste século e sob sua inspiração e direção, as chamadas “revoluções coloridas”. O propósito dos EUA é a dominação do mundo: com esse objetivo tentam transformar o território ucraniano em base estratégica para ameaçar ou atacar a Rússia.

Em resumo, vejo esta guerra como uma empreitada do imperialismo dos EUA e dos seus aliados da OTAN.

YMF: Voltando ao caso do retrocesso brasileiro, parece consensual que sem alianças políticas não é possível hoje se eleger um governo efetivamente socialista, e nem mesmo pautado por um reformismo social-desenvolvimentista – como o de Lula. Por outro lado, é urgente que seja eleito um governo progressista, não só como gesto humanitário – para atender a demanda de milhões de miseráveis desassistidos pelas últimas aventuras das elites –, mas inclusive para que os socialistas possam encontrar mais espaços, racionalidade e estabilidade para fortalecer seus projetos. No Brasil de hoje, Lula é possivelmente o único representante do campo progressista que tem chances de se eleger. Pensadores marxistas como Caio Prado e Mariátegui defendiam certas alianças pontuais com setores menos atrasados da burguesia, no sentido de se lograr reformas de urgência humanitária; mas ambos reforçavam que, neste caso, jamais a direção do processo poderia ser passada das mãos dos trabalhadores às das classes dominantes. As alianças que o PT fez nos últimos mandatos foram necessárias para vencermos o pleito? Foram por demais temerárias? E agora, diante do perigo fascista alimentado pelo golpismo das elites, até que ponto é possível se efetivar uma aliança sem abrir flancos para novos golpes? Qual o limite para uma aliança política, neste momento histórico do país?

ALP: No início deste século, houve na América Latina a eleição de governos progressistas, como: no Brasil, os do Partido dos Trabalhadores, com os presidentes Lula e Dilma; na Argentina, com os presidentes Néstor e Cristina Kirchner; e no Chile, com os presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet. Estas experiências revelaram obstáculos praticamente intransponíveis, por eles encontrados, para garantir a governabilidade, ao tentar empreender algumas medidas de redistribuição da renda nacional e de atendimento às demandas dos setores sociais mais desfavorecidos, sem mobilizarem os trabalhadores nem contarem com movimentos populares organizados e dirigidos por forças revolucionárias, empenhadas na luta por transformações profundas dessas sociedades – as quais em maior ou menor grau apontassem para a única solução hoje possível para a crise sistêmica do capitalismo (que tende a se agravar): um governo popular que começasse a trilhar o caminho para o socialismo.

A ausência de tal perspectiva levou à derrota desses governos progressistas e à sua substituição por coligações submissas aos interesses do imperialismo e, em alguns casos, dirigidas por elementos fascistas como, no exemplo do Brasil, Jair Bolsonaro.

Uma exceção deve ser apontada: o governo da Venezuela liderado pelo comandante Hugo Chaves, que realizou significativas transformações nas Forças Armadas do país e avançou na organização popular, fator que tem impedido, inclusive sob o governo de Nicolás Maduro, os sucessivos golpes de direita orquestrados pelo imperialismo estadunidense. Na Venezuela foram criadas brigadas populares com dois milhões de militantes armados, conscientes e dispostos a defender a Revolução Bolivariana.

Penso que hoje no Brasil, mesmo que Lula seja eleito, ele não conseguirá realizar um governo do tipo “estado do bem-estar social”, conforme intenção que declarou há algum tempo, pois a gravidade da crise atual do capitalismo não permite que tal política possa ser empreendida. Se na Europa Ocidental esse modelo foi superado e abandonado, no Brasil, dadas as gritantes desigualdades sociais existentes, tal perspectiva está a meu ver inteiramente descartada. Para avançar na solução dos graves problemas nacionais são necessárias profundas reformas estruturais – inaceitáveis para o grande capital, empenhado na garantia dos seus privilégios. Vencer tais resistências só será possível com organização e mobilização popular e sob a liderança de forças políticas dispostas e empenhadas a elaborar um programa de transformação revolucionária da sociedade brasileira.

Caso contrário, teremos novos golpes e o advento de governos cada vez mais à direita. Essa alternância entre governos “progressistas” e governos de direita poderá permanecer por um longo período se não se avançar na organização popular e na formação de lideranças revolucionárias capazes de dirigir esse processo de organização e luta dos setores populares. Estaremos assim condenados a assistir as disputas e acordos entre os setores das classes dominantes, sempre distantes das necessárias mudanças sociais capazes de atender aos anseios populares legítimos; comportamento que caracterizou os governos do PT, presididos por Lula e Dilma.

Veja que Lula se elegeu com a “Carta aos Brasileiros”, e governou sem organizar o povo. Porém, nos últimos governos do PT, suas políticas já não satisfaziam o imperialismo – que queria mais. Assim, sem apoio popular, veio o golpe de 2016. Não foram implementadas reformas estruturais: reforma agrária, ou medidas contra o poder do grande capital. Os governos progressistas têm de se apoiar nas organizações populares para conseguir ter respaldo, e assim tomar medidas efetivas: executar reformas sociais profundas, as quais sempre atingem os interesses do grande capital. Se não há forças populares organizadas para sustentar isto, vêm os golpes.

Ainda que seja melhor para os socialistas, para o povo, que Lula seja eleito, se ele não se apoiar nas organizações populares ficaremos sempre neste vai-e-vem, nesta alternância entre reformistas e reacionários – de modo que em seguida aos avanços do governo anterior, os conservadores fazem retroceder suas reformas.

YMF: Como resultado do retrocesso dos anos 1990, ocorreu um refluxo na postura de “ação” de certo marxismo que, a partir da derrota soviética, torna-se cada vez mais “teórico”. Prestes era um marxista que não se bastava em teorizações, que trabalhava ombro a ombro com seus subordinados; daí que, como você afirma, não tenha podido escrever tudo que deveria. Conforme sugere Sartre [6], não é possível “viver” a história e “escrever” sobre ela em um só tempo. Como a professora vê esta academicização do marxismo, a teoria “entre muros”, a pouca capilaridade do “socialismo universitário” – e até certo comodismo e consumismo que parecem afetar a postura de alguns críticos bem colocados no sistema, cujos modos de vida torna seus cotidianos tão semelhantes aos daqueles burgueses alvos de suas críticas? Nesta conjuntura de esfriamento da “ação” revolucionária, em que o discurso neoliberal predomina junto ao poder formador da opinião pública, o mercado está conseguindo se apropriar de parte da produção marxista, desviando-a de seus fins, vendendo-as como “filosofia pura”? Veja-se as edições “marxistas de luxo” – tão distantes da realidade de um estudante ou trabalhador – que brilham nas estantes de livrarias; ou o caso dos que escrevem “teoria marxista” apenas por ofício e soldo, sem identificação filosófica ou ideológica – os tais “marxólogos”. Como exemplo, a professora se recorda que, na data de sua palestra no citado curso do Núcleo Práxis- USP, após sua fala, participamos juntos do lançamento – com um ano de atraso – do livro “Caio Prado: historia y filosofía” [7], tradução castelhana realizada voluntariamente por militantes, com fins educacionais de difusão do comunismo brasileiro. Este retardo se deu, como debatido na ocasião, por uma questão ínfima de dinheiro de “direitos autorais”, em que gente supostamente afeita ao marxismo tentou não só coibir, mas chegou às vias da ameaça jurídico- econômica contra editores e educadores ativistas. Como podemos superar este refluxo da práxis, esta teoria sem ação – este movimento ambíguo do marxismo que, embora teoricamente refinado, distancia-se das lutas populares?

ALP: O grande Vladimir Ilich Lênin sempre destacou a importância de a atividade teórica dos marxistas estar articulada, ligada e integrada à atividade prática de transformação revolucionária da sociedade. Aqueles intelectuais, acadêmicos, que na universidade ou fora dela dedicam-se exclusivamente a estudar e escrever sobre o marxismo, sem preocupar-se com a aplicação efetiva da teoria à luta revolucionária, podem ser denominados de “marxólogos”, mas jamais de verdadeiros “marxistas”.

Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. Lênin, Antonio Gramsci, assim como os latino- americanos José Carlos Mariátegui e Julio Antonio Mella, e tantos outros teóricos do marxismo pelo mundo, foram pensadores mas também lideranças revolucionárias empenhadas em contribuir para o avanço da revolução em seus países e na arena mundial. Lembremos Marx e Engels acompanhando de perto a Comuna de Paris; Lênin dirigindo a Revolução Russa; e Gramsci à frente do Partido Comunista Italiano, liderando a luta dos trabalhadores italianos. Muitos outros exemplos poderiam ser aqui citados.

Luiz Carlos Prestes não foi um teórico do marxismo, nem teve esta pretensão. Estudou o marxismo com o objetivo precípuo de contribuir para a realização das transformações revolucionárias no Brasil, que pudessem garantir o avanço no caminho da Revolução Socialista em nosso país. Foi a esse objetivo que dedicou toda sua existência. Isso não significa que desprezasse a teoria; sempre, mesmo nas condições mais difíceis que enfrentou durante a vida, procurou estudar e aprofundar seus conhecimentos teóricos. Mas ele não teve oportunidade de chegar a ser um teórico; foi principalmente um revolucionário.

Como mencionei anteriormente, e reitero, acredito que a educação popular é um dos meios de se levar a teoria revolucionária ao conhecimento dos trabalhadores. Porém, o principal caminho a ser trilhado é a conjugação da participação nas lutas populares, com o estudo da teoria, tendo-se em vista a prática transformadora da realidade – realidade que é onde se dão essas lutas.

Não basta se ensinar política ou teoria marxista para os trabalhadores, sem que estes trabalhadores estejam realmente inseridos nas lutas que dizem respeito aos seus interesses – aos interesses dos setores aos quais eles pertencem.

YMF: O problema do encastelamento acadêmico é uma questão delicada, mas que hoje ressoa no ambiente intelectual marxista e demanda autocrítica. Relacionada com esta “acomodação teórica”, está a apropriação mercadológica capitalista, que torna “mercadoria” as lutas sociais, os ícones, as ideias contestatórias – algo que afeta não só a luta comunista, mas também as lutas feministas, étnicas, não-binárias, movimentos que, na história, por vezes não deram a necessária importância ao componente de “classes” envolvido em suas disputas, cedendo aos acenos sedutores do capital. Entretanto, ainda que as elites tentem esvaziar qualquer luta ou reivindicação – “amaciando” as revoltas –, parece que há hoje um crescente ganho em consciência de classe, de maneira que essas lutas têm ganhado força e, por sua vez, vêm sendo importantes à resistência socialista. Como a professora vê a ascensão, nas últimas décadas, de movimentos étnicos e de gênero realmente de classe, superando movimentos burgueses de outrora (que pretendiam separar as questões identitárias da luta de classes)? Você se identifica com as pautas atuais do “feminismo de classe”?

ALP: Penso que essas causas consideradas “identitárias” se justificam, mas devem estar articuladas entre si e, em particular, com a luta geral de todos os explorados pelo poder político – contra o poder do capital. O capital é o inimigo principal que deve ser derrotado, para que as causas “identitárias” também possam ser enfrentadas com sucesso.

O grande capital utiliza todos os meios à sua disposição para desviar os trabalhadores de sua luta pelo poder e, com isso, dividi-los e impedir que o verdadeiro inimigo dos explorados – a grande burguesia – seja vencida.

Considero que as mulheres são duplamente exploradas na sociedade capitalista; e, por isso, a luta pela sua verdadeira emancipação, incluindo a superação de todo tipo de discriminações que as oprimem, deve estar profundamente associada à luta pela conquista de um poder popular, que aponte para a revolução socialista e a construção de uma sociedade em que a igualdade entre os sexos seja crescentemente incentivada e organizada. Este será sempre um processo longo e de muita dificuldade, pois a mentalidade machista está profundamente enraizada – e é ainda incentivada – no mundo regido pelas leis do mercado e do capital.

YMF: Professora, qual você considera a principal contribuição teórica de Luiz Carlos Prestes ao pensamento marxista? E quanto a sua mãe, Olga Benario, qual a principal contribuição dela, em sua breve vida, à revolução? Finalmente, como você, Anita, entende o pensamento marxista, o “ser marxista”?

ALP: Conforme falava, Prestes não se dedicou à teoria marxista, nem pretendeu fazer isto; sua principal contribuição ideológica à Revolução Brasileira foi a luta permanente, durante toda sua vida, contra as tendências reformistas do capitalismo, extremamente presentes até hoje nos meios de esquerda de nosso país. Os comunistas, segundo Prestes, deveriam estar permanentemente dedicados à aplicação criativa da teoria marxista à nossa realidade nacional, buscando sempre os caminhos mais justos para o avanço rumo à Revolução Socialista. Na busca desses caminhos erros seriam cometidos e, por isso, ele defendia a necessidade de empenhar-se no seu reconhecimento e no esforço pela sua correção, garantindo desta maneira novos avanços.

Olga Benario Prestes, minha mãe, foi uma revolucionária, comunista e internacionalista. Tanto ela quanto meu pai resistiram – sem jamais capitular – a todas as provações que a luta de classes lhes impôs. Isto porque, de acordo com as palavras de meu pai, ambos possuíam profunda convicção científica da justeza da causa revolucionária à qual haviam dedicado suas vidas.

Já no que me diz respeito, considero-me uma intelectual marxista, comprometida com os interesses populares. Desta forma, com minha produção intelectual procuro contribuir, ainda que modestamente, para a organização, mobilização e conscientização dos trabalhadores e dos setores oprimidos pelo capital em nosso país.

*****

* Entrevista publicada originalmente na Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, da UEG, no primeiro semestre de 2022, como parte do dossiê temático “100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB)”. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revista_geth/article/view/13222.

Notas

1 Agradeço ainda aos demais camaradas e membros do Núcleo Práxis da USP que em tantas conversas e reuniões apoiaram a elaboração desta entrevista. 

2 O vídeo do curso com a participação da professora Anita está publicado no portal oficial do Núcleo Práxis-USP, disponível em: nucleopraxisusp.org. Mais informações sobre o “Dicionário Marxismo na América”, projeto editorial de difusão do pensamento socialista (no prelo), são encontradas no mesmo endereço.

3 Vide, dentre outras obras: FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

4 Em a Voz Operária, n. 167, março de 1981.

5 Vide: MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2011.

6 SARTRE, J.-P. Que é Literatura?. São Paulo: Ática, 1989.

7 PRADO Jr., Caio. Caio Prado: historia y filosofía. Rosário (Argentina): Último Recurso/Núcleo Práxis-USP, 2020. Tradução coletiva organizada e coordenada pelo N. Práxis-USP. Mais informações sobre a obra e o debate podem ser encontradas no portal: nucleopraxisusp.org.

 

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