50 verdades sobre o rei espanhol Juan Carlos

Rei Juan Carlos I de Bourbon renunciou ao trono espanhol aos 76 anos de idade em favor de seu filho Felipe, Príncipe de Astúrias

Depois de 38 anos de reinado, no dia 2 de junho de 2014, Juan Carlos I de Bourbon, aos 76 anos de idade, decidiu abdicar do trono da Espanha em favor de seu filho Felipe, Príncipe de Astúrias.

1. Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Bourbon e Bourbon-Duas Sicílias, ou Juan Carlos I, nasce no dia 5 janeiro de 1938, em Roma, da união de dom Juan, conde de Barcelona, e dona María das Mercedes de Bourbon, princesa das Sicílias, que tiveram quatro filhos: Pilar (1936), Juan Carlos, Margarita (1939) e Alfonso (1941).

2. Juan Carlos é neto de Alfonso XIII por parte de pai e membro da dinastia capetiana dos Bourbons, da qual procedem os reis da França desde Henrique IV.

3. O jovem Juan Carlos passa seus primeiros quatro anos de infância em Roma, onde a família real reside em exílio desde a proclamação da Segunda República no dia 14 de abril de 1921. Em 1942, dom Juan, sem trono, decide se instalar em Lausanne, na Suíça.

4. O general Francisco Franco, governando com mãos de ferro desde de 1939, se interessa muito rápido por Juan Carlos. No dia 25 de agosto de 1948, o ditador e o conde de Barcelona — que tinha apoiado os fascistas durante a Guerra Civil — se reúnem secretamente no Golfo de Biscaia e decidem juntos que Juan Carlos se instalaria na Espanha para receber uma educação franquista. O objetivo do generalíssimo é reinstalar, no longo prazo, a Casa de Bourbon no trono. No dia 8 de novembro de 1948, o jovem príncipe viaja pela primeira vez para a Península Ibérica e vive ali um ano.

5. Em 1950, depois de viver um ano na residência familiar em Estoril, Portugal, Juan Carlos volta para a Espanha para seguir seus estudos sob a tutela benévola de Franco.

6. De 1955 a 1959, Juan Carlos, depois do bacharelado, recebe instrução militar na Academia Geral Militar de Zaragoza, na Escola Naval Militar de Marín e na Academia Geral do Ar de San Javier. O ditador escolhe pessoalmente essas instituições e segue de perto a carreira de seu futuro sucessor.

7. No dia 20 de março de 1956, Alfonso, irmão mais novo de Juan Carlos, de 14 anos, perde a vida com uma bala de revólver na cabeça, na residência familiar de Estoril. A declaração oficial da família real relata que o jovem Alfonso se matou acidentalmente ao manipular a arma. Na verdade, o responsável pelo acidente é Juan Carlos. Nenhuma investigação é realizada e Alfonso é enterrado no dia seguinte. Franco intervém então, pessoalmente, e pede ao seu irmão Nicolás Franco, embaixador da Espanha em Lisboa, que escreva um falso comunicado sobre o caso para proteger Juan Carlos. Dom Jaime, irmão de dom Juan e tio do jovem Alfonso, é o único a exigir uma investigação, em vão: “Exijo que se leve adiante esse inquérito porque é meu dever de chefe da Casa de Bourbon e porque não posso aceitar que aspire ao trono da Espanha quem não sabe assumir suas responsabilidades”. Em outubro de 1992, Juan Carlos, então rei da Espanha há 17 anos, aquiesceria à petição de seu pai e repatriaria os restos de seu irmão ao panteão real.

8. Em 1962, Juan Carlos, aos 24 anos, se casa com a princesa Sofia da Grécia em Atenas. Eles têm três filhos: a infanta Elena (1963), a infanta Cristina (1965) e o príncipe Felipe (1968).

9. Em 1963, Franco persuade o jovem casal a se instalar no palácio em Zarzuela, Madrid, apesar da feroz oposição do conde de Barcelona, que entende as manobras do ditador para privá-lo do trono.

10. Vários membros do Opus Dei rodeiam e assessoram Juan Carlos.

11. Em janeiro de 1966, Juan Carlos faz uma declaração à revista estadunidense TIME e jura fidelidade a seu pai: “Nunca aceitarei a coroa enquanto meu pai estiver vivo.”

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12. Mas, no dia 5 de março de 1966, em ocasião da comemoração do 25º aniversário da morte de Alfonso XIII, seguindo os conselhos de Franco, Juan Carlos se nega a participar da reunião do Conselho Privado do conde de Barcelona em Estoril, destinada a reafirmar os direitos dinásticos de Juan de Bourbon. Juan Carlos escolhe romper a unidade dinástica para aceder ao poder.

13. Em 1969, Franco decide nomear oficialmente Juan Carlos seu sucessor, baseando-se na Lei de Sucessão de Chefatura do Estado de 1947. Rompe, assim, as regras dinásticas que estipulam que Juan de Bourbon e Battenberg, legítimo herdeiro do rei Alfonso XIII, deve ocupar o trono.

14. Don Juan se inteira da notícia e recebe uma carta de seu filho Juan Carlos, que pede sua benção. Sua resposta é contundente: “Qual monarquia você vai salvar? Uma monarquia contra seu pai? Você não salvou nada. Quer salvar uma monarquia franquista? Nem estou de acordo, nem darei minha benção nunca, nem aceitarei jamais que você possa ser rei da Espanha sem o consentimento da monarquia, sem passar pela dinastia”. Decide, então, tirar-lhe o título de “Príncipe de Astúrias. ”

Agência Efe

Rei Juan Carlos, durante cerimônia em que assumiu o trono espanhol de seu pai em 1975

15. Frente a isso, Franco decide outorgar o título de “Príncipe da Espanha” — jamais usado antes — a Juan Carlos. O sucessor designado presta juramento em julho de 1969 e jura fidelidade ao franquismo, aos princípios do Movimento Nacional (o partido criado pelo generalíssimo) e às Leis Fundamentais (impostas pelo ditador durante seu reinado em substituição à Constituição).

16. Juan Carlos, muito próximo de Franco, não deixa de elogiar o líder autoritário em uma entrevista para a televisão francesa em 1969: “O general Franco é verdadeiramente uma figura decisiva histórica e politicamente para a Espanha. Soube resolver nossa crise de 1936. Desempenhou um papel político para nos tirar da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos trinta anos, lançou as bases do desenvolvimento [do país]. Para mim é um exemplo vivo, por sua dedicação patriótica diária a serviço da Espanha. Tenho por ele um grande afeto e uma grande admiração. ”

17. Em janeiro de 1971, Juan Carlos viaja para os Estados Unidos a convite do presidente Richard Nixon para estreitar os laços com Washington, que dá seu apoio ao regime franquista desde os anos 1950.

18. Franco fica gravemente doente e Juan Carlos é designado pela primeira vez Chefe do Estado interino entre 19 de julho e 2 de setembro de 1974. No dia 18 de julho de 1974 chega a substituir o generalíssimo na celebração do aniversário da sublevação de 1936 contra a República espanhola.

19. No dia 20 de julho de 1974, Juan Carlos realiza seu primeiro ato oficial e assina uma declaração conjunta com os Estados Unidos para prorrogar o Tratado de Ajuda Mútua entre ambos os países.

20. No dia 30 de outubro de 1975, Juan Carlos assume outra vez o papel de Chefe de Estado até 20 de novembro de 1975. Umas semanas antes, no dia 1 de outubro de 1975, tinha aparecido ao lado de Franco durante uma reunião organizada pelo regime em resposta à condenação, por parte da comunidade internacional, da execução de cinco presos políticos.

21. A biografia oficial publicada no site da Casa Real omite cuidadosamente os estreitos laços entre Franco e Juan Carlos. Não é feita qualquer menção a seus cargos políticos antes de 22 de novembro de 1975.

22. Dois dias depois da morte Franco, no dia 20 de novembro de 1975, as cortes franquistas proclamam Juan Carlos rei da Espanha, respeitando assim a vontade expressada pelo generalíssimo em uma mensagem póstuma para a nação: “Peço-lhes que preservem a unidade e a paz e que rodeiem o futuro rei da Espanha, Juan Carlos de Bourbon, do mesmo afeto e lealdade que me deram”. O novo rei se encontra, então “muito bem atado” ao trono.

23. A biografia oficial da Casa Real relata esse episódio nesses termos: “Depois da morte do chefe de Estado anterior, Francisco Franco, dom Juan Carlos foi proclamado rei, no dia 22 de novembro de 1975, e pronunciou nas cortes sua primeira mensagem à nação, na qual expressou as ideias básicas de seu reinado: restabelecer a democracia e ser o rei de todos os espanhóis, sem exceção. ”

24. Porém, a realidade histórica contradiz essa afirmação. Longe de advogar por uma transição democrática, Juan Carlos, pelo contrário, jura fidelidade ao legado franquista e afirma que seguirá desenvolvendo sua obra: “Juro por Deus e pelos Santos Evangelhos cumprir e fazer cumprir as Leis Fundamentais do reino e guardar lealdade aos princípios do Movimento Nacional”. Durante seu discurso, prestou um vibrante tributo ao ditador. “Uma figura excepcional entra para a história. O nome Francisco Franco já é um marco do acontecer espanhol ao qual será impossível deixar de se referir para entender a chave da nossa vida política contemporânea. Com respeito e gratidão, quero lembrar a figura que durante tantos anos assumiu a pesada responsabilidade de conduzir o governo do Estado”. Em nenhum momento, Juan Carlos fala de democracia nem evoca a instauração de um processo de transição democrática.

25. Da mesma maneira, durante seu discurso de Natal, de 24 de dezembro de 1975, Juan Carlos elogia Franco novamente: “O ano que finaliza nos deixou um selo de tristeza que tem como sempre a enfermidade e a perda dele que foi durante tantos anos nosso generalíssimo. O testamento oferecido ao povo espanhol é sem dúvida um documento histórico que reflete as enormes qualidades humanas, os enormes sentimentos de patriotismo sobre os quais quis assentar toda a sua atuação à frente de nossa nação. Temos as bases muito firmes que nos deixou uma geração sacrificada e o esforço titânico de alguns espanhóis exemplares. Hoje, lhes dedico aqui uma homenagem de respeito e admiração. ”

26. Enquanto as manifestações e as greves se multiplicam por todo o país, apesar da sangrenta repressão, enfrentando a resistência armada do grupo separatista basco ETA e dos comunistas da Frap (Frente Revolucionária Antifascista e Patriótica) e dos Grapo (Grupos de Resistência Antifascista Primeiro de Outubro), o rei da Espanha toma consciência de que a manutenção do status quo é impossível e a mudança é inevitável. Percebe que o franquismo não vai sobreviver depois do desaparecimento de seu líder.

27. Entretanto, em 1975, decide nomear Adolfo Suárez, antigo presidente do Movimento Nacional, como chefe do governo.

28. Frente à oposição republicana, que vê nele um herdeiro do franquismo, Juan Carlos conclui um pacto: abrirá o caminho para uma transição democrática desde que a monarquia seja restabelecida. Apresenta-se como garantia da reconciliação de todos os espanhóis.

29. No dia 18 de novembro de 1976, a Lei para a Reforma Política, que abre caminho para uma transição democrática, é aprovada por referendo com 95% dos votos. São legalizados os partidos políticos, inclusive o Partido Comunista Espanhol, e se decreta a anistia para alguns presos políticos.

30. No dia 14 de maio de 1977, Juan Carlos obriga seu pai, conde de Barcelona e legítimo herdeiro do trono, a renunciar a seus direitos dinásticos para garantir seu poder e legitimar o cargo que ocupa pela vontade do homem que desatou a Guerra Civil entre 1936 e 1939. Juan Carlos se transforma, então, no Príncipe de Astúrias, no dia 1 de novembro de 1977.

31. Em junho de 1977, acontecem na Espanha — privada de Constituição de 1936 a 1978 — as primeiras eleições democráticas desde 1936. A UCD (União de Centro Democrático), partido do presidente do governo Adolfo Suárez, nomeado pelo rei, vence o escrutínio. O novo Parlamento — para o qual Juan Carlos nomeou 41 senadores, seguindo uma prática instaurada por Franco — adota a Constituição de 1978 (a qual é ratificada por referendo com 95% dos votos) que faz da Espanha uma monarquia parlamentar e que reconhece Juan Carlos como o “herdeiro legítimo da dinastia histórica” (artigo 57). A nova Carta Magna substitui as Leis Fundamentais franquistas.

32. O rei é chefe de Estado e das Forças Armadas e garante a unidade da nação. Sanciona e ratifica as leis, nomeia o presidente do governo e pode dissolver o parlamento com o aval do presidente do Congresso. Representa o país internacionalmente e exerce o direito de indulto (artigo 62). Credencia os embaixadores, assina os tratados internacionais e dispõe do poder de declarar guerras, por meio da autorização do Parlamento (artigo 63). Por fim, como estipula o artigo 56, dispõe de imunidade total e absoluta em todos os crimes e delitos, inclusive no caso de traição à Pátria.

33. Juan Carlos I de Bourbon se beneficia de um salário anual para custear as necessidades de sua família e o distribui livremente (artigo 63). Segundo a Casa Real, para o ano de 2014, esse salário é de 7,8 milhões de euros.

34. Entretanto, segundo o coronel aposentado Amadeo Martínez Inglés, estudioso da Casa Real e crítico de Juan Carlos, o custo real da monarquia sobe para mais de 560 milhões de euros por ano. Ao orçamento inicial diretamente entregue à Casa Real, é necessário somar os orçamentos do ministério da Presidência (administração real, recepções, preservação do patrimônio nacional reservado ao uso da família real), do regimento da Guarda Real e das forças armadas encarregadas da proteção do rei durante suas viagens assim como de toda a logística, o custo que representa a segurança da Casa Real da qual se encarrega o ministro de Interior, os gastos com viagens ao exterior (Ministério de Assuntos Exteriores), o custo dos funcionários da Casa Real (372 empregados) etc.

35. O The New York Times estimou a fortuna pessoal do rei da Espanha em cerca de 2 bilhões de euros.

36. No dia 23 de fevereiro de 1981, a jovem democracia espanhola enfrenta uma tentativa de golpe militar de Estado orquestrado pelo tenente-coronel Antonio Tejero. O Congresso dos Deputados é tomado de assalto por cerca de 300 guardas civis e 100 soldados, no momento da cerimônia de posse do candidato à presidência Leopoldo Calvo Sotelo. O Exército ocupa vários pontos estratégicos da capital e do país. O rei Juan Carlos intervem sete horas depois pela televisão para condenar a tentativa golpista: “A Coroa, símbolo da permanência e da unidade da pátria, não pode tolerar, de forma alguma, ações ou atitudes de pessoas que pretendam interromper com a força o processo democrático que a Constituição votada pelo povo espanhol determinou em seu momento por meio de referendo”. Essa intervenção reforça a imagem do rei, considerado o salvador da democracia.

37. Em 1981, Juan Carlos se reúne com o presidente estadunidense Ronald Reagan e decide integrar a Espanha à Otan em 1982. Nesse mesmo ano, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), chega ao poder e o novo presidente do governo, Felipe González, mantém excelentes relações com a Coroa.

38. Entre 1983 e 1987, sob o governo de Felipe González, os GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), esquadrões da morte criados pelo Estado espanhol para lutar contra os bascos independentes, assassinam 27 pessoas, a maioria opositores políticos. Oficialmente, Juan Carlos I ignorava tudo desta política de terrorismo do Estado. Essa versão é pouco crível. Na verdade, o rei tinha a fama de se manter minuciosamente informado sobre a situação do país e recebia relatórios diários.

39. Em 1992, o diário conservador espanhol El Mundo revela a existência de uma relação extraconjungal entre Juan Carlos e a decoradora maiorquina Marta Gayá, o que provoca um escândalo.

40. No dia 1 de outubro de 1995, Juan Carlos é vítima de uma tentativa de assassinato em Palma de Maiorca, orquestrada pela organização separatista basca ETA.

41. Em 2002, durante o golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez na Venezuela, a Espanha de Juan Carlos de Bourbon e do presidente do governo José María Aznar é o único país do mundo, junto aos Estados Unidos, a dar reconhecimento oficial à junta golpista de Pedro Carmona Estagna. Durante seu comparecimento perante a Comissão de Assuntos Exteriores do Congresso espanhol, no dia 1 de dezembro de 2004, Miguel Ángel Moratinos, então ministro de Assuntos Exteriores, se expressou claramente a respeito: “Minhas afirmações foram: 1. que houve um golpe de Estado na Venezuela; 2. que o embaixador espanhol recebeu instruções do governo; 3. que o objetivo dessas instruções, ou, melhor dito, para evitar julgamentos de intenção, que o efeito da execução dessas instruções e de outras atuações foi apoiar o golpe […]. Minhas palavras devem ser entendidas no sentido de que, por apoiar quis e quero dizer que não condenou o golpe de Estado, que o endossou, e que lhe ofereceu legitimidade internacional. ”

42. Em 2003, Juan Carlos, chefe das Forças Armadas, decide envolver a Espanha na guerra contra o Iraque, ilegal segundo o direito internacional, zombando da vontade do povo espanhol, oposto em sua imensa maioria ao que considerava uma agressão de um país soberano para controlar seus recursos energéticos.

43. Em novembro de 2007, durante a XVII Cúpula Ibero-Americana no Chile, Juan Carlos ataca o presidente Hugo Chávez da Venezuela de um jeito pouco cortês. “Por que não cala a boca?”. O presidente Hugo Chávez tinha lembrado que Madrid tinha efetivamente dado seu apoio ao golpe de Estado de 2002. “É difícil pensar que o embaixador vai estar apoiando aos golpistas, que vai ao Palácio presidencial sem a autorização de sua majestade”. Depois do ataque do rei, Chávez pediu respeito lembrando que era chefe de Estado “como o rei, com a diferença de eu fui eleito três vezes e ele não”.

44. Em abril de 2012, Juan Carlos I é vítima de uma fratura no quadril durante um safári em Botsuana. Numerosas vozes se levantaram contra essa viagem que custou várias dezenas de milhares de euros ao contribuinte espanhol enquanto o país atravessava uma das piores crises econômicas de sua história, e muitas pessoas, sobretudo as categorias mais vulneráveis, estavam abandonadas à sua sorte por um governo que decidiu fazer das políticas de austeridade uma prioridade e desmantelar todo o sistema de proteção social. Para recuperar o prestígio perdido, o rei apresentou suas desculpas à nação — feito único em seu reinado — no dia 18 de abril de 2012. “Sinto muito. Eu errei e não voltará a acontecer”. Mas esse mea culpa não teve os resultados esperados em uma população atingida pela crise econômica.

45. Numerosas vozes se levantaram para expressar a censura imposta aos meios de comunicação ou o “Pacto de Silêncio” entre a Coroa e a Federação de Imprensa, em relação a tudo o que tem a ver com a figura do rei. Da mesma maneira, várias pessoas foram condenadas à prisão por injúrias ao rei (Mariano Delgado Francés em 1988, Ceuta Abdclauthab Buchai em 1989 etc.).

46. No dia 2 de junho de 2014, Juan Carlos decide abdicar em favor de seu filho Felipe de Bourbon e Grécia, o qual tomará o nome de Felipe VI. O rei explica as razões: “Esses anos difíceis nos permitiram fazer um balanço autocrítico de nossos erros e de nossas limitações como sociedade […]. Na construção [do] futuro, uma nova geração reclama com justa causa o papel de protagonista […]. Hoje, merece passar à linha de frente uma geração mais jovem, com novas estratégias, decidida a empreender com determinação as transformações e reformas que a conjuntura atual está demandando, e afrontar, com intensidade renovada e dedicação, os desafios do amanhã […]. Meu filho Felipe, herdeiro da Coroa, encarna a estabilidade que é o sinal da identidade da instituição monárquica […]. O Príncipe de Astúrias tem a maturidade, a preparação e o sentido de responsabilidade necessários para assumir com plenas garantias a chefatura do Estado e abrir uma nova etapa de esperança na qual se combinem a experiência adquirida e o impulso de uma nova geração […]. Por tudo isso, guiado pelo convencimento de prestar o melhor serviço aos espanhóis […], decidi pôr fim ao meu reinado e abdicar da Cora da Espanha. ”

47. O artigo 57 da Constituição, que aborda a questão da sucessão de Juan Carlos, privilegia “o homem à mulher”, legitimando assim a designação de Felipe. No entanto, vários juristas consideram inconstitucional esse artigo, já que contraria o artigo 13 que estipula que “os espanhóis são iguais perante a lei, sem que possa prevalecer nenhuma discriminação por razão de nascimento, raça, sexo, religião, opinião, ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social. ”

48. Nesse mesmo dia, manifestações cidadãs de dezenas de milhares de pessoas explodiram por todo o país, reclamando um referendo sobre a estrutura do Estado espanhol e a instauração de uma República. Segundo várias pesquisas, mais de 60% dos espanhóis desejam uma consulta popular.

49. Juan Carlos deixa um país em plena crise econômica com uma taxa de desemprego de 26%, recorde europeu, e mais de 6 milhões de desempregados; um número sem precedentes de suicídios — nove por dia — desde que começou a crise econômica em 2008; e mais de três milhões de pessoas (ou seja, 6,4% da população) que vivem em condições de “pobreza severa”, isto é, com menos de 307 euros por mês.

50. Apesar da transição democrática e do estabelecimento de uma monarquia parlamentar, apesar dos esforços para esconder seus laços íntimos com Franco, o rei Juan Carlos I de Bourbon e Bourbon nunca conseguiu se libertar de seu déficit de legitimidade por causa de uma mancha indelével: foi instalado no trono pelo ditador Franco, apoiado por Hitler e Mussolini, que inundou de sangue a República espanhola que havia surgido nas urnas em 16 de fevereiro de 1936.

Salim Lamrani

Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.

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About the author:

Docteur ès Etudes Ibériques et Latino-américaines de l’Université Paris IV-Sorbonne, Salim Lamrani est Maître de conférences à l’Université de La Réunion, et journaliste, spécialiste des relations entre Cuba et les Etats-Unis. Son nouvel ouvrage s’intitule Fidel Castro, héros des déshérités, Paris, Editions Estrella, 2016. Préface d’Ignacio Ramonet. Contact : [email protected] ; [email protected] Page Facebook : https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

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