O povo contra os banksters

O povo contra os banksters [1]

O sistema financeiro está a explodir. Não ouça os peritos, olhe apenas para os números. Na semana passada, segundo a Reuters, “Bancos estado-unidenses tomaram emprestado do Federal Reserve uma quantia recorde: uma média de aproximadamente US$188 mil milhões por dia, mostrando que o banco central foi a extremos para manter o sistema bancário a flutuar em meio a maior crise financeira desde a Grande Depressão”. O Fed abriu vários “instrumentos de leilão” a fim de criar a aparência de que bancos insolventes estavam a negociar com êxito, mas não estão. Eles estão mortos; seus passivos excedem seus activos. Agora o Fed está desesperado porque as centenas de milhares de milhões de dólares de títulos apoiados por hipotecas (mortgage-backed securities, MBS) nos cofres dos bancos provocaram a bancarrota de todo o sistema e o balanço do Fed está inchar dia a dia. O mercado para MBSs não se recuperará no futuro previsível e os bancos são incapazes de renovar (roll-over) sua dívida a curto prazo.

O próprio Federal Reserve está em perigo. Assim, ele está no Plano B, o qual é de despejar toda a lama tóxica sobre os contribuintes antes de eles perceberem que todo o sistema está a estilhaçar. Isto é o chamado Plano Paulson, um ultraje de US$700 mil milhões, o qual já foi criticado por todo economista de mérito no país.

Da Reuters: “A contracção de empréstimos por negociadores primários, através do Primary Dealer Credit Facility, e através de outro instrumento criado no domingo para a Goldman Sachs, a Morgan Stanley e a Merrill Lynch, e suas subsidiárias com base em Londres, totalizaram US$105,66 mil milhões na quarta-feira, disse o Fed”.

Vejam o que quero dizer: todos eles estão quebrados. Os empréstimos rotativos do Fed são apenas um meio para perpetuar o mito de que os bancos já não estão mortos (flat-lining). Bernanke amarrou cordas a várias partes do corpo e sacode-as frequentemente para dar a impressão de que eles estão vivos. Mas o modelo Wall Street está fracassado e o salvamento é inútil.

Na semana passada houve uma corrida digital aos bancos de que a maior parte das pessoas nunca ouviu falar; um crash em “tempo real”. Um artigo de Michael Gray no New York Post deu com grande pormenor a descrição de como os acontecimentos se desdobraram. Aqui está um recorte do artigo de Gray, “Almost Armageddon”:

“O mercado estava a 500 trades longe do Armagedão na quinta-feira… Se o Tesouro e o Fed não tivesse acudido rapidamente no combate daquela manhã com uma veloz injecção de US$105 mil milhões em liquidez, o Dow poderia ter colapsado para o nível 8300 – um declínio de 22 por cento! – enquanto o clangor do sino de abertura ainda ecoava em torno do cavernoso piso do pregão. Segundo traders, que falaram na condição de anonimato, os fundos do mercado monetário foram inundados com ordens de venda de US$500 mil milhões antes da abertura. A capitalização total do mercado de dinheiro era aproximadamente US$4 milhões de milhões naquela manhã.

“As vendas em pânico estavam ligadas directamente à detenção dos mercados de crédito – incluindo uma contracção de US$52 mil milhões em papel comercial – e a rumores de fundos adicionais do mercado monetário a ‘triturar o dólar’, ou derrubando-o abaixo dos US$1 de valor activo líquido.

“A dramática injecção do Fed de US$105 mil milhões de liquidez na quinta-feira (antes do mercado) foi apenas suficiente para manter contas institucionais chave de continuarem nas ordens de venda e começarem um estouro de cash que poderia ter levado grandes bocados da economia dos EUA a uma travagem”.

Papel comercial é o lubrificante que mantém os mercados financeiros em funcionamento. Quando a confiança se desvanece, os investidores retiram o seu dinheiro, as operações normais de negócios tornam-se impossíveis, e os mercados entram em colapso. Fim da história. Assim, ao invés de restaurar a confiança do público por uma liderança e comportamento fortes destinados a reconfortar investidores, o presidente Bush decidiu pronunciar um grande discurso no horário nobre declarando que se o salvamento de emergência de Paulson não fosse aprovado imediatamente, a economia do país vaporizar-se-ia no éter.

Na semana passada, o mercado de papel comercial (grande parte do qual é apoiado por mortgage-backed securities) contraiu-se em US$61 mil milhões, para US$1072 milhões de milhões, o mais baixo nível desde o princípio de 2006. Assim, o salvamento de Paulson efectivamente assegurará os commercial paper bem como toda a sopa de letras de derivativos apoiados por hipotecas para os quais actualmente não há mercado. O contribuinte estado-unidense não está apenas a cair no mercado imobiliário em queda livre; ele também está a servir de barreira para todo o sistema financeiro incluindo incumprimentos de títulos por vendas de carros, títulos em declínio de empréstimos a estudantes, títulos descontrolados de empréstimos imobiliários e títulos vacilantes de cartões de crédito. Toda a gigantesca pilha da dívida bosta de cavalo está prestes a ser amontoada sobre as costas do contribuinte já no limite da sua capacidade e da nota verde sempre a murchar.

DANO DE US$5 MILHÕES DE MILHÕES

Como é que o secretário do Tesouro Paulson descobriu que recapitalizar o sistema bancário custaria US$700 mil milhões? Ou será que ele simplesmente estimou a quantia de dinheiro que poderia ser carregada no camião do Tesouro quando partisse para cumular os seus compadres no Goldman Sachs com notas verdes acabadas de imprimir? A questão é que os cálculos de Paulson não foram assistidos por quaisquer economistas, e eles não são confiáveis. É um numero puramente arbitrário, calculado “nas costas de um envelope”. De acordo com a Bloomberg: “O investidor suíço Marc Faber, conhecido por um longo registo de boas comunicações, acredita que o dano pode chegar aos US$5 milhões de milhões (trillion):

“Marc Faber, director administrador da Marc Faber Ltd. em Hong Kong, disse que o pacote de resgate do governo para o sistema financeiro pode exigir até US$5 milhões de milhões, sete vezes a quantia que o secretário do Tesouro Henry Paulson pediu…

“Os US$700 mil milhões são realmente nada”, disse Faber numa entrevista à televisão. “O Tesouro está apenas a anunciar este número, quando o número final pode ser de US$5 milhões de milhões”.

A maior parte das pessoas que seguem estes assuntos confiaria na avaliação de Faber sobre o número de Paulson. Na mais recente entrada no seu blog, o economista Nouriel Roubini afirmou que “nenhum economista profissional foi consultado pelo Congresso ou convidado a apresentar a sua visão nas audiências do Congresso sobre o plano de resgate do Tesouro”. Roubini acrescentou:

“O plano do Tesouro é uma desgraça: um salvamento de banqueiros imprudentes, prestamistas e investidores que proporciona pouco alívio directa da dívida a tomadores de empréstimos e famílias financeiramente sob tensão e que virão a um custo muito alto para o contribuinte estado-unidense. E o plano nada faz para resolver o severo stress nos mercados monetários e mercados interbancários que agora estão fechados num colapso sistémico”.

Roubini está certo em tudo o que diz. Até então, mais de 190 eminentes economistas pressionaram o Congresso a não aprovar a lei de salvamento dos US$700 mil mlhões. Há um consenso crescente de que o chamado “pacote de resgate” não trata das questões económicas centrais e tem o potencial para tornar uma situação má ainda pior.

O GOLPE DOS BANQUEIROS

Paulson é o chefe num golpe dos banqueiros cujos resultados decidirão o futuro económico e político da América nos próximos anos. Os líderes do golpe drenaram dezenas de milhares de milhões de dólares de liquidez do já tenso sistema bancário para desencadear um congelamento dos empréstimos interbancários e apressar um crash do mercado de acções. Isto, acreditam eles, forçará o Congresso a aprovar o pacote de salvamento de Paulson no valor de US$770 mil milhões sem resistência adicional do Congresso. Isto é chantagem.

Por enquanto, ninguém sabe se os apoiantes do golpe terão êxito e consolidarão mais o seu poder político através de um maciço choque económico para o sistema, mas o seu plano continua a mover-se alegremente para a frente enquanto a economia segue o seu declínio para o desastre.

O salvamento galvanizou movimentos de base que inundaram as linhas de fax e telefone do Congresso. Os que chamam opõem-se esmagadoramente a qualquer salvamento para bancos que estão rendidos pelos seus próprios tóxicos activos apoiados por hipotecas. Um analista afirma que as chamadas para o Congresso são 50 por cento “Não” e 50 por cento “Inferno, Não”. Não há virtualmente apoio popular para a lei.

Da Bloomberg News: “Erik Brynjolfsson, da Sloan School do Massachusetts Institute of Technology, disse que a sua principal objecção “é o montante de tirar o fôlego de liberdade de acção sem controle que dá ao secretário do Tesouro. Isto é sem precedentes numa democracia moderna”.

“Suspeito de que parte do que estamos a ver no congelamento de mercados prestamistas é comportamento estratégico da parte de grandes actores financeiros que se preparam para beneficiar do salvamento”, disse David K. Levine, economista na Washington University – St. Louis, o qual estuda constrangimentos de liquidez e teoria dos jogos”. ( Mish’s Global Economic Trend Analysis )

As suspeições de Brynjolfsson são bem fundamentadas. Karl Denninger do “Market Ticker’s” confirma que o Fed tem estado a drenar o sistema bancário de liquidez a fim de chantagear o Congresso para aprovar a nova legislação. Aqui está o que diz Denninger:

“A taxa efectiva dos fundos Fed tem sido comercializada 50 pontos ou mais abaixo dos 3% alvo durante cinco dias contínuos, e nos últimos dois dias foi comercializada 75 pontos base abaixo. O IRX está a exigir um corte imediato na taxa. O Slosh foi drenado intencionalmente em mais de US$125 mil milhões na semana passada e a baixa do nível da água no atoleiro revelou um corpo morto – o Washington Mutual (WaMu) – o qual foi imediatamente atacado com base numa não notícia do JP Morgan. Nem mesmo o presidente do WaMu sabia do ataque até que foi executado… O Fed afirma ser um ‘banco central independente’. Eles não são nada disso, eles agora estão a actuar como um incendiário (arsonist). O Fed e o Tesouro afirmaram que isto é uma ‘crise de liquidez’; não é. Trata-se de uma crise de insolvência que o Fed, o Tesouro e outros organismos regulatórios do nosso governo permitiram intencionalmente que ocorresse”.

A resistência da base, liderada por bloguistas da Internet (como Mish, Roubini e Denninger) está a demonstrar que pode mobilizar dezenas de milhares de “camponeses com forcados” e ser um factor na tomada de decisão política. Isto também ajuda a eleger representantes, como o senador Richard Shelby, que mantêm-se firmes nos princípios e não desmaiam à primeira rajada de metralha (como os seus indecisos colegas democratas). Shelby carregou todo o peso da pressão do executivo, que descarregou-se sobre ele uma avalanche. Em consequência, ainda há uma ligeira possibilidade de que a lei terá de ser posta de lado e os representantes da indústria financeira terão de começar tudo de novo.

A situação económica do país está constantemente a deteriorar-se. Encomendas de bens manufacturados duradouros caíram 4,5 por cento no mês passado ao passo que os stocks continuam a crescer. O desemprego está a aumentar e o crash habitacional continua a acelerar. O Credit Suisse espera agora 10,3 milhões de arrestos (total) nos próximos poucos anos. Números como este não são casuais, mas parte de um esquema mais vasto para utilizar a política monetária como um meio de mudar a riqueza de uma classe para outra enquanto degradam o bem estar económico geral do país. Mais alarmante: os credores primários do país estão agora a encenar uma rebelião que provavelmente cortará o fluxo de capitais para os mercados dos EUA remetendo o dólar para uma queda livre e disparando um colapso de crédito deflacionário. Isto é da Reuters:

“Reguladores chineses pediram aos bancos internos para parar de emprestar a instituições financeiras dos EUA nos mercados monetários interbancários a fim de prevenir possíveis perdas durante a crise financeira, relatou o South China Morning Post de quinta-feira. A proibição da Comissão Regulatória Bancária da China ao empréstimo interbancário de todas as divisas aplicou-se a bancos dos EUA, mas não a prestamistas de outros países, acrescentou a notícia”.

A Bloomberg New relata que o presidente do Dallas Federal Reserve Bank, Richard Fisher, rompeu com a tradição e criticou asperamente o salvamento proposto dizendo que isto “mergulharia o governo dos EUA mais profundamente num abismo fiscal”.

Da Bloomberg: “O plano do secretário do Tesouro Henry Paulson de comprar activos perturbados de instituições financeiras colocaria ‘mais uma palha sobre as costas do camelo tremendamente sobrecarregado que é o livro-razão do governo federal’, disse hoje Fisher no texto de um discurso em Nova York. ‘Estamos profundamente submersos num vasto abismo fiscal’ … As tomadas e convulsões que temos experimentado na dívida e nos mercados de acções foram as consequências de uma orgia sustentada de excessos e comportamentos imprudentes, não de uma política monetária demasiado forte”, disse Fisher no Money Marketeers Club da Universidade de Nova York”. (Bloomberg)

A cura para os hiperbólicos “excessos de crédito e comportamentos imprudentes” não pode certamente ser “mais do mesmo”. De facto, o salvamento de Paulson nem mesmo trata das questões centrais, as quais têm sido obscurecidas pela demagogia e ameaças. Os activos sem valor devem ser cancelados, aos bancos insolventes deve ser permitido falir, e os vigaristas e criminosos que engendraram esta blitz financeira sobre os cofres da nação devem prestar contas.

A carnificina das baixas taxas de juro de Greenspan, a farra do “dinheiro fácil”, agora está visível para toda a gente. Os valores inflacionados das casas e acções estão a entrar em crash à medida que o gás continua a escapar da bolha maciça. A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) terá de ser recapitalizada – talvez US$500 mil milhões – para responsabilizar-se pela perda antecipada de depósito dos bancos em falência presos na deflação de activos e em constante contracção de crédito. A recessão está a vir, mas o colapso económico ainda pode ser evitado se o mal concebido plano de Paulson for abandonado e for tomada acção correctora para colocar o país sobre base financeira sólida. Market Ticker esboça a estrutura de uma solução trabalhável para a crise, mas eles devem agir suavemente para reconstruir a confiança de que grandes mudanças sistémicas estão em preparação:

1- Forçar todos os “activos” fora do balanço outra vez para dentro do balanço, e forçar os modelos de avaliação e identificação de activos individuais fora do Nível 3 e dentro de 10Qs e 10Ks. Fazer isto já. (Por outras palavras, não mais contabilidades aldrabadas tipo Enron e não permitir mais aos bancos atribuírem seus próprios “valores” a activos incertos)

2- Forçar todos os derivativos OTC (over the counter) a uma troca regulamentada semelhante àquela utilizada pelas opções listadas nos mercados de acções. Isto neutraliza permanentemente a bomba relógio dos derivativos. Dar 90 dias aos participantes no mercado; quaisquer outras que não sejam listadas em 90 dias são declaradas nulas; deixar os participantes processarem-se uns aos outros se não puderem demonstrar adequação de capital. (Se os contratos de comercialização de derivativos podem prejudicar o sistema “regulamentado”, então aquela comercialização deve ter lugar sob estritas regulamentações do governo)

3- Forçar alavancagem por todas as instituições a não mais do que 12:1. A SEC em 2004 abandonou deliberadamente os limites de alavancagem para corretores/dealers; antes daquela data o limite era 12:1. Toda firma que fracassasse teria de duplicar ou mais a alavancagem daquele limite anterior de 12:1. Aprovar isto com um limite temporal de seis meses e exigir mensalmente 1/6 do excesso verificado. (O colapso no modelo das “finanças estruturadas” é devido principalmente a demasiada alavancagem. A Fannie Mae e o Freddie Mac, por exemplo, tinham US$80 de dívida para cada US$1 de reservas de capital quando foram tomadas pela conservatorship do governo)

Se tem de haver um salvamento, vamos fazer isso correctamente. A lei dos US$700 mil milhões de Paulson nada faz para corrigir os profundos problemas estruturais nos mercados financeiros. Ela meramente empurra o dia do julgamento um pouco mais para a frente no futuro enquanto comuta o fardo do pagamento dos activos tóxicos para o contribuinte.

 

[1] Banksters: neologismo, banqueiros+gangsters

[*] [email protected]

O original encontra-se em: http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=10355

Tradução: Resistir.


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Articles by: Mike Whitney

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