Entrevista com Gabriela Rivadaneira. Mudanças no Equador São Quantitativas, mas Fundamentalmente Qualitativas

Presidenta da Assembleia Legislativa equatoriana analisa período eleitoral crucial para o país andino, e a conjuntura local e regional

Gabriela Rivadaneira Burbano, de 34 anos, deputada pelo partido governista Alianza PAÍS e presidenta da Assembleia Legislativa do Equador, é uma das tantas apaixonadas e incansáveis obreiras da Revolução Cidadã que transformou a sociedade de seu país, sem precedentes na história da nação andina.

Hoje o Equador é um dos protagonistas da integração latino-americana e exemplo mundial em conquistas sociais e em direitos humanos, segundo os mais diversos organismos internacionais.

Com apenas 14 anos, Gabriela iniciou a militância política em um movimento cultural. Gaby, como é popularmente conhecida, foi vereadora, vice-prefeita da província de Imbabura e, em 2011, tornou-se governadora. Dois anos mais tarde foi eleita deputada com 3,5 milhões de votos, uma das mulheres mais votadas do país andino. Foi também a primeira e mais jovem mulher a assumir a presidência parlamentar.

Nesta entrevista exclusiva, Gabriela Rivadaneira, vítima de tentativa de homicídio semanas atrás através de potente carta-bomba, analisa o cenário de seu país às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais que ocorrerá em 2 de abril, quando os equatorianos decidirão entre o candidato governista Lenín Moreno e o banqueiro neoliberal Guillermo Lasso.

Na semana passada, o jornal argentino Página 12 noticiou que Lasso está vinculado a 49 empresas offshore com depósitos bancários em paraísos fiscais. No mês passado o povo equatoriano havia decidido, em Referendo Popular, que cidadãos não podem exercer cargos públicos se mantém contas em paraísos fiscais, o que agora coloca em risco a candidatura do especulador pró-Washington. Já as pesquisas apontam larga vantagem de Lenín, com mais de 18 pontos à frente de Lasso, quem promete alegar fraude caso perca nas urnas em abril.

A líder parlamentar também analisa o atual cenário político equatoriano; conta sobre as conquistas da Revolução Cidadã, tão distorcida pelo monopólio da informação; comenta o potente envelope-bomba enviado a seu gabinete; fala da reedição da Operação Condor apoiada sobre a mídia corporativa na América Latina que, segundo a líder equatoriana, provocou o golpe parlamentar contra a ex-presidenta Dilma Rousseff; aponta as principais divergências entre seu partido e o da oposição de Lasso; projeta o futuro equatoriano, especialmente os desafios do novo governo diante da atual crise econômica global; e responde à questão que está na boca e em todos os corações progressistas latino-americanos ao passo que, segundo a parlamentar, “não deixa a direita dormir”: Rafael Correa, um dos líderes mais populares e carismáticos da região, concorrerá à Presidência novamente, em 2021?

A seguir, a íntegra da entrevista com La Guerrera, Gabriela Rivadaneira.

Edu Montesanti: Quais as principais conquistas da Revolução Cidadã, e as suas particularmente, como parlamentar?

Gabriela Rivadaneira: As mudanças têm sido tantas e tão profundas, que eu não poderia enumerá-las aqui sem estender-me por várias horas. Quando dizemos que vivemos não uma era de mudança no País, mas sim uma mudança de era, na verdade nos referimos a uma revolução estrutural que atravessa todas as áreas, com objetivos muito claros tais como a recuperação do Estado à serviço dos cidadãos e não das elites, o combate à pobreza e à discriminação, a busca pela equidade em todos os níveis, a atenção a todos os territórios e a todas as populações.

O processo constitucional subverteu a lógica do poder que havia sido estabelecida durante o neoliberalismo e recuperou a ação pública para iniciar um processo de redistribuição da riqueza, a mais veloz do continente. Cumprimos as Metas do Milênio vários anos antes do prazo, e continuamos sem pausa vencendo paradigmas de séculos para romper ciclos sistêmicos de pobreza e miséria, que se expressavam mais rigor entre a maioria das populações mais vulneráveis, tais como as crianças e adolescentes, as mulheres e os povos originários, as minorias com outra orientação sexual e, é desnecessário dizer, as pessoas com deficiência que constituíam, sem dúvida, o maior extremo da discriminação que o país viveu.

As mudanças são quantitativas, mas fundamentalmente qualitativas. Hoje temos garantias de direitos, serviços públicos gratuitos e de qualidade, atenção à cidadania durante todo o ciclo de vida, temos reduzido enormemente a mortalidade materno-infantil, fortalecido a medicina preventiva em todo o País, e através da recuperação da seguridade social, que estava despedaçada, temos proporcionado qualidade de vida aos nossos aposentados, rendas dignas que reconhecem as contribuições que dadas por eles ao país, enquanto em 2007 havia grevistas aposentados em greve de fome às portas da seguridade social, pedindo os direitos que o neoliberalismo negava-lhes.

Como parte desta revolução, tenho trabalhado para estas conquistas coletivas, que são conquistas populares que vamos defender. O País tem se transformado de maneira integral nestes últimos anos, dentro e fora, porque agora a mundo nos olha de maneira diferente também.

Quanto ao meu trabalho como legisladora e como presidenta da Assembleia Nacional, tenho me certificado de que todas as leis que sejam aprovadas estejam revestidas de cinco eixos ação, em relação às mulheres, aos migrantes, às pessoas com deficiência, os povos originários e a justiça intergeracional.

Temos leis que marcam épocas históricas, como a Lei de Justiça do Trabalho que reconhece o trabalho diário de donas de casa e do seu direito a uma pensão e à aposentadoria, leis que reconhecem os direitos trabalhistas das trabalhadoras remuneradas do lar, que proíbem a demissão de mulheres grávidas e das líderes sindicais, leis que punem a violência, o feminicídio, que pune a violência psicológica, física, simbólica, patrimonial e obstétrica, a qual ainda é praticada contra as mulheres.

E não é o suficiente ter políticas públicas de um governo de esquerda, precisamos de leis que integrem esses mandatos na vida da sociedade e, nesse sentido, temos trabalhado na Assembléia. Leis para um novo País, o que por exemplo evidenciou-se após o terremoto que sofremos em abril do ano passado, através de uma Lei da Solidariedade que agora nos permite reconstruir as populações afetadas, algo nunca feito antes, por governo nenhum.

A senhora afirmou ao jornalista Rolando Segura em 28 de fevereiro no programa da TV venezuelana Telesur, Enclave Política: “O monopólio midiático esconde a semelhança entre o formato de Macri (presidente da Argentina), e o formato do candidato equatoriano da direita, Guillermo Lasso”. Como exatamente a grande mídia tem agido durante essas eleições em seu País? Diante disso, como os partidários de Alianza PAÍS e seus apoiantes têm atuado? E conte também qual o principal trabalho a ser executado nestes 10 dias restantes de campanha para o binômio Lenin Moreno-Jorge Glas, especificamente?

Um grave problema que temos em nossos países é que não dispomos de informação contrastada, de análises com profundidade; geralmente a mídia corporativa limita-se a jogar a versão que é gerada a partir de sua sede em países centrais, e dá como certa essa informação que, muitas vezes, é claramente tendenciosa.

Vivemos isso na América Latina o tempo todo: no golpe parlamentar contra Dilma Rousseff no Brasil, os meios de comunicação a sentenciaram muito antes do Congresso; e o mesmo ocorreu com Cristina Fernandez (de Kirchner, ex-presidenta da Argentina), quem já está condenada pela mídia hoje. Eles estão procurando gerar opinião pública adversa através de grandes manchetes. E se a isso somamos o poder exercido pelas redes sociais corporativistas, é muito difícil estimar o poder real da mídia. Nos querem fazer duvidar da Dilma, mas apenas mencionam que Temer está envolvido no caso da Odebrecht e os cortes aprovados social para 20 anos no Brasil, algo inimaginável.

E quanto a Macri, as semelhanças são evidentes porque correspondem à agenda de direita mais cavernosa, quer dizer, redução de impostos especialmente para os banqueiros, abertura total, a entrega de projetos sociais para que sejam gerenciados por setores privados para extorquir a população com empréstimos impagáveis a fim de que se compre um modesta casa, ou pagar por estudos ou pelo hospital.

Na área da saúde, o próprio Lasso propôs a criação de uma zona de livre-comércio para as agências de saúde internacionais, ou seja, benefícios de saúde para as classes mais ricas e saúde enquanto aos pobres não se diz absolutamente nada, e nós sabemos o porquê disso: leva anos dizendo que a despesa pública é insustentável, que quando chegue ao poder que terá que tomar medidas, ou seja, está preparando um cenário de cortes na área social, grandes pacotes econômicos, redução de impostos, e tudo isso afetará, sem dúvida, as classes mais pobres.

O trabalho para este segundo turno define-se por uma escolha entre o passado e o futuro. Ou seguimos em frente com esta era de crescimento humano e social, ou voltamos para o modelo acumulador e elitista que nos condenou à miséria por tantos anos. Como ativistas, trabalhamos de porta em porta para compartilhar com o público a nossa proposta, o nosso projeto, e advertir sobre esse perigo a fim de alertar sobre as falsas promessas de candidatos da bancocracia, e também temos que enfrentar aos poderosos meios de comunicação que frequentemente repetem uma falsa imagem do candidato que hoje se apresenta como amigo dos camponeses e dos jovens, por cujo bem-estar nunca antes interessou. Já que sendo um gerente bancário poderia, muito bem, ter feito empréstimos a juros baixos para artesãos, pescadores, jovens empresários, mas nunca fez nada disso. E seu sonho é chegar ao poder para acabar com os bancos públicos que temos recuperado, hoje oferecendo benefícios com juros de 5 por cento para mulheres, jovens, pequenos agricultores e empresários que, anteriormente, tinham que recorrer a bancos privados para ser extorquidos com taxas de até 35 por cento ao ano.

A campanha para este segundo turno girará sobre quem somos, o que temos demonstrado ao País e, nesse sentido, Lenín Moreno tem para mostrar ao País e ao mundo inteiro a Missão Solidária Manuela Espejo (em favor dos deficientes físicos), enquanto Lasso leva sobre as costas a quebra de bancos, a maior apreensão de fundos privados da nossa história, e muitos migrantes que acabaram expulsos da terra natal pelas administrações dessa bancocracia.

Em 15 de fevereiro a senhora recebeu “um envelope com um CD que, na verdade, era um explosivo de médio alcance e capacidade letal”, a senhora anunciou em sua conta no Twitter. Victor Hugo Zarate, chefe da guarda legislativa, explicou que o tipo de explosivo, RDX e PETN, tem mesmo a função de acabar com a vida do indivíduo a quem ele se dirige. Conte os detalhes disso, como estão as investigações, e se você sabe quem foi ou quem foram os autores daquele ataque contra sua vida.

Não vou me estender muito neste assunto. Quando assumimos este caminho político, sabíamos muito bem que estávamos diante de riscos porque a vida de um líder político à esquerda, comprometido com um projeto que desempenha grande interesse, está sempre exposta.

Sabemos que procuram provocar medo porque essa seria a reação de covardes, mas enganam-se se pensam que vamos brecar esta corrida pela vida e a alegria de continuar sustentando e impulsionando este novo País.

Ao contrário da direita, nós não buscamos o poder para sermos servidos, mas para servir. Por isso, essa ameaça não a tomamos com algo pessoal mas como uma afronta à sagrada vontade do povo, que nos nomeou para representá-lo na democracia. Que saibam muito bem que as revoluções não fazemos as pessoas mas os povos, e que nenhuma bomba pode deter um rio da história.

Agradeço de coração à minha equipe de segurança, que impediu uma tragédia. Uma das colaboradoras do meu escritório está em gestação, e lhe correspondia abrir a correspondência: imagine as consequências terríveis daquilo! As investigações estão em andamento, temos confiança em nossos policiais e sabemos que os culpados, em breve, irão aparecer publicamente.

Finalmente, como mulher e como mãe agradeço a fortaleza da minha família, e o apoio que sempre recebo. Eles nunca me pediram que abandone por causa da ameaça de um covarde. Como gosto de dizer, que ninguém tente me calar porque eu nasci gritando.

O presidente Rafael Correa tem denunciado constantemente uma nova Operação Condor em curso na região. A senhora acha que a direita equatoriana que disputa a Presidência com Alianza PAÍS, por meio do que tem sido denominado Campanha Suja sustentada pela grande mídia, tem atuado em conexão com esta nova operação que tem sido frequentemente comprovada por WikiLeaks através da liberação dos principais cabos secretos emitidos pelas “embaixadas” dos Estados Unidos, que na verdade funcionam muito mais como centros de espionagem, em países da América Latina?

Na América Latina, vivemos processos muito semelhantes quanto à necessidade de se recuperar uma soberania que tinham nos tomado, a recuperar as instituições públicas, a capacidade de se realizar investimento público, mesmo porque no Equador a bancocracia chegou a ponto de proibir por lei o investimento público para que o setor privado gere negócios a partir dos direitos dos indivíduos.

Por isso não construíram nem uma escola, nem um hospital, nem uma energia hidrelétrica por mais de 30 anos, na prática submetendo-nos a um atraso sistêmico que levou nossa produção nacional à obsolescência, e provocou a perda de planos de vida de várias gerações, atoladas no desespero.

A Operação Condor foi criada em nossos países como uma política exógena para cercear o desenvolvimento da região, e canalizá-la para o interesse das grande corporações transnacionais, especialmente as do petróleo. Se aparecia um governo de esquerda como o de Roldós (Jaime Roldós Aguilera, presidente do Equador de 10 de agosto de 1979 a 24 de maio de 1981), havia que encerrá-lo. E assim eles mataram Roldós Torrijos (Omar Efraín Torrijos Herrera, oficial do Exército e líder do Panamá de 1968 a 1981) como parte desse plano. Assim eles apoiaram as ditaduras mais ferozes do continente, e causaram até mesmo conflitos armados entre nações irmãs para atender seus objetivos.

O primeiro lema é, naturalmente, evitar o processo de integração regional. E por isso, quando os governos progressistas chegaram ao poder através de mandatos democráticos em nosso países, o alarme foi reativado e implementado um novo plano de Condor, que utiliza estratégias conhecidas como a efervescência das ruas pela direita a fim de gerar condições para golpes parlamentares, como aconteceu no Brasil e como se pretende executar na Venezuela.

Nestas semanas mesmo no Equador, pequenos grupos de alta classe tomaram as ruas para apresentar ao mundo uma imagem distorcida da nossa democracia, e desta maneira uma gerar opinião pública internacional de acordo com seus interesses. Em toda a região movem-se tendências poderosas que valorizam muito mais os interesses dos bancos que os da vida humana.

E é claro que as embaixadas são importantes pontos de contato que, acima de tudo, demonstram a qualidade de políticos servis que ainda temos na América Latina. Mas que nem sonhem: somos um país soberano que nunca mais terá bases militares estrangeiras em nosso território, e que nem se submeterá aos desígnios de outros países para moldar seu futuro.

Quais as principais divergências entre Alianza PAÍS e a oposição nos campos político, econômico e social?

Bem, esta pergunta é simples porque se tratam de opostos muito claros.

Defendemos um modelo de redistribuição da riqueza entre a sociedade, enquanto Lasso promove a acumulação de riqueza nas mãos de uma elite que decide quanto quer ou não redistribuir.

Defendemos um Estado para a cidadania que garante direitos, e Lasso promove um Estado que se dedica a trabalhar para a empresa privada, e que seja essa empresa privada que decida o preço a ser estipulado aos direitos da cidadania.

Defendemos um modelo de investimento público no ser humano, enquanto Lasso define isso como “gasto”.

Defendemos a responsabilidade fiscal como fundamento do crescimento coletivo, ao passo que Lasso apregoa a eliminação de impostos sem os quais não se poderia manter a gratuidade da saúde ou a da educação.

Reconhecemos a mulher no centro da mudança da política, enquanto Lasso promove uma imagem feminina de acordo com os parâmetros do Opus Dei, isto é, obediência e aceitação do inaceitável.

Trabalhamos por uma seguridade integral com uma ECU 9-1-1 (Serviço Integrado de Seguridade, a fim de prestar socorro à sociedade para todas as emergências), exemplo na região, enquanto Lasso fala de segurança para o capital, para os valores, não para as pessoas.

Em quase todos os pontos, estamos em lados opostos. E isso nos ratifica dentro de nossos princípios. Olhamos para o futuro com esperança, enquanto Lasso vê o passado com nostalgia. Um passado que o enriqueceu mas gerou miséria ao País, morte e migração maciça.

Nestes dez anos, temos feito o que a direita recusou-se a fazer em 40 anos. E por isso está desesperada para retomar o poder, para que não sigamos com esta era de mudanças.

No primeiro turno, a vantagem do candidato governista Lenin Moreno foi muito grande: mais de um milhão de votos sobre Guillermo Lasso. Houve uma distância de quase 12 por cento, fazendo com que Moreno tivesse ficado a apenas 0,7 por cento de vencer as eleições logo no primeiro turno, conforme previsto que ocorreria por três dos quatro institutos de pesquisa equatorianos. Além de um segundo turno, comemorado por “uma oposição acostumada a perder”, como diz o presidente Correa; Alianza PAÍS mantém maioria na Assembleia Nacional, mas perdeu assentos. Seu partido perdeu o poder no Parlamento do Equador. A que se devem desses acontecimentos, um segundo turno que contradiz as expectativas, e a perda legislativa?

Não temos perda legislativa, temos uma clara maioria concedida pelo povo equatoriano.

A diferença em relação á Assembleia anterior é que tínhamos as duas terças partes, e por isso pudemos, neste período que conclui, aprovar mais de 90 leis para beneficiar o País, porque não tínhamos conflitos de governabilidade, e isso é muito importante especialmente em um país como o Equador, que antes desta Revolução teve dez presidentes em seis anos e uma assembleia de deputados que impedia o processo constitucional as pessoas exigiam.

E a oposição não estava comemorando nas ruas, estava violando a lei eleitoral, o silêncio essencial e lógico que se espera para contar os votos após uma eleição múltipla e com percentuais delicados, no sentido de que eles estavam dentro da margem de erro de duas dessas pesquisas mencionadas. A intenção era a de invalidar o processo eleitoral se o percentual exigido de 40 por cento tivesse se consolidado, pois sabia-se com certeza que seriam mais do que dez pontos de diferença a vantagem de Lenín Moreno. E mais uma vez os grandes meios internacionais apresentam este cenário como uma demonstração “a favor da democracia” quando, na realidade, trata-se de uma violação a essa democracia.

Será que eles aceitariam o resultado de um único turno assim como nós aceitamos enfrentar e derrotá-los novamente no segundo turno? A resposta é clara, não aceitariam porque eles estavam orquestrando distúrbios, gritavam em seus protestos que estavam prestes a “incendiar Quito “se Lenin Moreno vencesse na primeiro turno, e o que é pior, com o consentimento do prefeito da cidade, quem esteva sempre pronto para fornecer tendas e centros de alimentação para aqueles que violavam a lei e ameaçavam queimar a cidade à qual ele foi designado para proteger.

Novamente, trata-se de uma resposta orquestrada por algumas centenas de cidadãos que defendem a seus privilégios, tratados com uma gigantesca lupa pela grande mídia internacional direitista, que busca sempre todos os escândalos que possam deslegitimar os triunfos da esquerda na América Latina para fazê-los parecer reivindicações das pessoas, mas não são porque a realidade é que temos vencido a direita nas urnas desde o início deste processo histórico, e acabamos de obter uma nova vitória no primeiro turno com um milhão de votos a mais que o candidato da bancocracia, e vamos para o segundo turno com alegria e compromisso renovados para derrotá-los e encerrar, de uma vez por todas, o capítulo neoliberal da história equatoriana.

Quanto à Assembleia, a democracia significa mobilidade, contraposição de posições, argumentos e debates especialmente na função legislativa. Na verdade, tratou-se de um fato inédito no País contar, no período anterior, com uma maioria tão sólida que, entre outras coisas, permitiu-nos concluir o ciclo constituinte, enfrentar leis fundamentais tais como a da água, da terra, das sementes, da comunicação, do código penal integral que, pela primeira vez, enfrenta a figura do feminicídio, entre muitas outras questões.

E no novo período, a maioria que temos nos permitirá acelerar os projetos e o fundamental: deter as tentativas da direita de revogar algumas das leis aprovadas neste período, impedir que os avanços sociais sejam obstruídos, e evitar a todo o custo um retrocesso dos direitos cidadãos.

Quais as propostas específicas da Alianza País para os próximos quatro anos, a fim de acelerar o processo revolucionário?

Acelerá-lo é uma maneira quase impossível de se referir a ele, porque vamos avançando tão rapidamente quanto nos é possível, e as mudanças no País demonstram o quanto se trabalha nesta Revolução.

Mas a verdade é que estamos diante de uma nova etapa, novos horizontes especialmente porque quando estávamos no mais profundo do neoliberalismo, a aspiração óbvia era alcançar a luz, ter energia, saúde, transporte, educação, justiça, segurança, forças armadas operacionais, fronteiras fechadas em todo o País, acordos de desenvolvimento binacionais nas nossas fronteiras, direitos trabalhistas, salários decentes, e assim a lista era interminável. E sem esquecer a indústria obsoleta, o apaziguamento dos nossos recursos naturais, o modelo de exportação agrícola primária, a falta de soberania em todas as áreas, a dívida com o FMI que nos extorquia ano a ano a um nível de pobreza de assustador, de quase 40 por cento.

Tivemos que corrigir tudo, e rapidamente. E tem sido uma viagem cheia de vertigem, com a força do povo que nos respalda e impulsiona. Mas nesta nova etapa já temos colheitas para cuidar, jovens profissionais que foram educados nas melhores universidades do mundo regressam ao País para dar sua contribuição, os migrantes que estão voltando a investir no Equador, e um novo modelo social que inclui a economia popular e solidária como uma parte essencial do sistema econômico nacional. Além disso, as áreas de energia, turismo e indústria têm desenvolvido e precisam de mais espaço. Assim, os desafios são muitos, mas estamos habituados a um intenso ritmo de trabalho.

Precisamos de uma lei que promova o emprego dos jovens, o emprego qualificado para os estagiários que retornam, o emprego para as mulheres e, especialmente, na área de empreendimentos.

Nós cobrimos quase 50% da demanda habitacional em todo o País, mas nesta nova fase, o grande desafio é dotar as famílias do País de moradias dignas e ter, finalmente, no século XXI, água potável e rede de esgotos em todo o território nacional.

Vamos implementar universidades técnicas, temos milhares de diplomados do ensino médio que querem se juntar à população economicamente ativa com um escritório próprio, com conhecimentos técnicos que lhes permitam crescer profissionalmente. Planejamos várias universidades em todo o País, de acordo com a vocação produtiva de cada região.

Fizemos muito isso tudo, mas é ao mesmo tempo o que ainda devemos fazer já que o horizonte dos direitos avança à medida que caminhamos.

A economia global atravessa grave crise. Quais os projetos da Alianza País para enfrentá-la?

As crises do capitalismo são cíclicas, parte de sua estrutura interna. Quando falamos de questões como paraísos fiscais, fundos abutres, bolhas financeiras, bolhas hipotecárias, estamos falando de mecanismos no limite legal e legítimo que, em algum momento, entrará em colapso. Isso ocorreu na crise bancária no Equador em 1999, o mesmo se deu no “corralito” argentino, o mesmo princípio marcou a crise hipotecária nos Estados Unidos em 2009, e na Espanha.

A grande questão é quem se beneficia com essas crises, e onde escondem seus benefícios. E neste quesito o Equador está marcando uma grande diferença neste momento.

Desde a Presidência do Grupo dos 77 nas Nações Unidas, temos proposto ao mundo o fim dos paraísos fiscais, que são as cavernas onde escondem dinheiro desviado e lavado, e também o dinheiro roubado do povo. E, é claro, o candidato Lasso tem dinheiro em paraísos fiscais, tem até um banco no Panamá que corresponde a esta descrição.

E nestas eleições, o povo soberano do Equador decidiu em um Referendo Popular que para se tornar um funcionário público ou de eleição popular, ele não pode possuir fundos ocultos nessas esconderijos. 56% do País disse não a paraísos fiscais e sim à transparência, e com base neste respaldo vamos insistir neste pedido, porque não podemos de maneira global enfrentar as crises sistêmicas, a corrupção e a especulação – que são o mesmo, de outra forma – se não fechamos os esconderijos de seus tesouros.

E, é claro, o candidato da bancocracia se opôs ao referendo, não faltava mais nada.

Como a se pretende alavancar a reforma agrária, que não tem avançado significativamente?

O que nos anos setenta foi chamado de reforma agrária no País, na verdade gerou grandes propriedades que monopolizaram a água e o solo fértil nas mãos de pequenas parcelas de caráter familiar que eram, na verdade, insustentáveis. Não se tratou de um verdadeiro processo de distribuição de terras e, acima de tudo, não havia possibilidade de se ter acesso a fatores da produção que necessitavam as famílias rurais.

Uma das mais fortes demandas sociais era ter uma lei de terras que permitisse uma partilha das terras rurais improdutivas e, especialmente, o estabelecimento de mecanismos de apoio à produção em escala popular e solidária popular, uma justa distribuição da água através de uma lei e de geração de cadeias produtivas e formação de cadeias de valor produtivas para apoiar a produção agropecuária dos nosso pequenos e médios produtores.

O capitalismo impõe o egoísmo, a fria competição, mas a sociedade precisa de um forte princípio da ação coletiva, de economia solidária para garantir a vida das comunidades e a soberania alimentar do País.

Nos próximos anos se impulsionará uma nova etapa na área agrária equatoriana, e veremos os resultados muito em breve. Já o retorno é evidente, os campos estão produtivos, os mercados ativos, estradas abertas, as famílias semeiam com esperança e cada vez mais o comércio justo é a norma. Temos avançado, mas o salto quântico está por vir.

O economista Jorge Orbe, em entrevista a mim há três semanas [a leia mais abaixo], disse: “Um dos aspectos sobre os quais gira a campanha eleitoral no Equador é a necessidade da criação de emprego. Para além do anunciado geral, os candidatos não têm explicado as estratégias para este fim. A questão é complicada quando, por razões de concorrência e competitividade, as empresas incorporam frequentemente máquinas e ferramentas que economizam trabalho e jogam vastos setores da população ao desemprego e subemprego. Nestas circunstâncias, impossibilitados de vincular-se à ‘economia formal’, ao setor empresarial privado, significativos segmentos da população urbana impulsionam estratégias de sobrevivência da população vinculadas aos empreendimentos familiares e ao trabalho autônomo”.
De maneira particular a mim, ele acrescentou: “A dificuldade estrutural da economia equatoriana de gerar emprego, mais ainda quando está em andamento a quarta revolução industrial e o desenvolvimento da robótica deixará milhões de pessoas sem emprego. Talvez nenhum aborde a questão para medo, já que tocar na estrutura do sistema é algo complicado e politicamente incorreto…”.
Como a senhora analisa essas observações?

Na verdade, a questão do emprego tem sido uma das mais tocadas na campanha, mas com duas visões diferentes. O candidato Lasso diz que temos uma crise de desemprego, quando na verdade temos as taxas mais baixas de desemprego da nossa história, e a mais baixa da região, com 5%.

Mas o emprego sempre é vital, porque significa esperança, alegria, crescimento pessoal e coletivo, bem-estar econômico para família, e é uma questão muito delicada especialmente para os jovens.

Mas acreditar que um banqueiro mantém preocupações com o desemprego é uma ingenuidade extrema. Inclusive a candidata social-cristã da direita mais pura (Cynthia Viteri, terceira colocada no primeiro turno), criticava Lasso por demissões em massa feitas no agências bancárias que gerenciava.

Quando a direita esteva no poder, o salário básico não cobria sequer 20 por cento da cesta básica, havia centenas de milhares de trabalhadores terceirizados, ou seja, que estavam privados de seus direitos, as trabalhadoras domésticas recebiam os salários como se fossem um favor por suas exaustivas horas de trabalho, isto é, apenas 120 dólares enfim, é difícil acreditar que o problema do emprego não deixa a direita dormir.

Hoje o salário básico é de 375 dólares, é obrigatória a afiliação à seguridade social e o acesso aos direitos, são universais.

E, é claro, o País quer mais empregos, queremos chegar a desemprego zero, mas não como simples empregados de banco, mas sim o pleno emprego, emprego de qualidade, de alta talento humano, com a incorporação de alto valor acrescentado e apoio aos empresários para que gerem mais emprego.

Para isso, temos todo um programa de apoio conjunto para fornecer capital semente para 20 mil jovens empreendedores, com acompanhamento técnico e taxas de juros muito baixas, somos um país que deseja empreender, e faremos isso.

E, como mencionado anteriormente, os planos para o emprego dos jovens, para o primeiro emprego, para o emprego de formandos repatriados e mulheres, são muito amplos e serão implementados com mais força durante o governo de Lenín, que é um defensor do emprego como nenhum outro, e tem demonstrado isso através do emprego de pessoas com deficiência no projeto de pleno emprego que mudou a vida de milhares de famílias no País, e provocou em todos nós uma grande mudança cultural para tornarmo-nos, sem dúvida, seres humanos melhores.

O presidente Correa tem enorme popularidade, repetidamente reconhecido internacionalmente pelas conquistas sociais do País durante os dez anos de governo, e é um dos mais populares América Latina. O povo equatoriano é hoje protagonista de sua própria história, e o Equador é hoje um dos protagonistas da integração latino-americana. A pergunta que todos se fazem: é possível que Rafael Correa concorra à Presidência novamente, em 2021?

Essa é a pergunta que não deixa a direita dormir. Parafraseando a famosa frase do Manifesto Comunista, eu diria que “um espectro ronda os pesadelos dos neoliberais”, e é que Rafael Correa regresse em um futuro não tão distante, para responder ao amor que seu povo tem por ele, e é inegável.

Os processos de transformação são coletivos, mas o papel da liderança é fundamental e Rafael soube despertar em todos a paixão por um país diferente, a visão de que é possível enfrentar os maiores poderes com a força de um povo unido, a dignidade de querer ser novamente, e para sempre, um país com soberania, com futuro, com esperança. E nos colocou para trabalhar todos estes anos em um ritmo incansável, com a urgência de quem precisa mudar o País já.

Acredito que o Equador e o planeta inteiro querem mais de Rafael Correa. É uma pessoa jovem que, após alguns meses de descanso, se integrará em um espaço de trabalho que ajude a continuar mudando o Equador e mudar o mundo.

A lei permite que ele se candidate novamente e, pessoalmente, eu acredito que nosso povo o deixa partir agora como reconhecimento pelo trabalho e pela entrega, mas não vai deixá-lo ir muito longe ou por muito tempo, como dizemos nos Andes, “ele retornará”, porque o lar de Rafael é o coração Equador, onde ele sempre será o líder que mobilizou a esperança nacional quando tudo parecia perdido. Rafael nos contagiou com seu otimismo, com sua alegria, com sua fé inabalável no Equador que podemos ser, e sempre será um líder para nós na Presidência, no partido ou em qualquer área que nós represente, e espero que sejam muitas, muitas mais.


Comment on Global Research Articles on our Facebook page

Become a Member of Global Research


Disclaimer: The contents of this article are of sole responsibility of the author(s). The Centre for Research on Globalization will not be responsible for any inaccurate or incorrect statement in this article. The Centre of Research on Globalization grants permission to cross-post Global Research articles on community internet sites as long the source and copyright are acknowledged together with a hyperlink to the original Global Research article. For publication of Global Research articles in print or other forms including commercial internet sites, contact: [email protected]

www.globalresearch.ca contains copyrighted material the use of which has not always been specifically authorized by the copyright owner. We are making such material available to our readers under the provisions of "fair use" in an effort to advance a better understanding of political, economic and social issues. The material on this site is distributed without profit to those who have expressed a prior interest in receiving it for research and educational purposes. If you wish to use copyrighted material for purposes other than "fair use" you must request permission from the copyright owner.

For media inquiries: [email protected]