Afinal em que é que os franceses votaram? A União Europeia contra a Nação Francesa

Macron ganhou com 23.75% dos votos, enquanto Le Pen atingiu apenas 21.53%, de acordo com os resultados oficiais. O republicano François Fillon e o candidato da esquerda independente, Jean-Luc Mélenchon, alcançaram 19,91% e 19,64%, respectivamente,  enquanto o ex-candidato do Partido Socialista, Benoit Hamon ficou-se apenas pelos 6,35% dos votos. Os restantes 8,82% dos votos foram partilhados pelos restantes 6 candidatos à Presidência francesa.

O colapso do bipartidismo tradicional

O que mostram estes resultados? Em primeiro lugar, um colapso impressionante do bipartidismo tradicional, dos dois partidos alternantes que dominaram o poder presidencial durante muitas décadas. Por um lado, o partido de centro-direita, que se originou da antiga direita de Gaulle, e que em 2002 deu origem, sob a então liderança do presidente Jacques Chirac, à UMP (União para um movimento popular). Após a derrota imposta por Hollande a Sarkozy nas eleições presidenciais de 2012 e a turbulência em que entrou o centro-direita graças a este petit Napoléon – como Sarkozy gostava de ser chamado pelos média e pelos amigos, sem talvez saber quem era Louis Bonaparte que costumava ser referido pelo mesmo apelido por aqueles que o ridicularizaram quando se autoproclamou imperador Napoleão III em 1852 -, a UMP mudou o nome para Les Républicains (os republicanos), para ver se salvava. Mas em vão. Pela primeira vez, desde a época de De Gaulle, o partido do centro-direita nem sequer conseguiu chegar à segunda volta das eleições presidenciais.

Por outro lado, o Partido Socialista, que – não nos esqueçamos – trouxe esta figura grotesca, François Hollande, para a Presidência francesa em 2012, com 28,63% dos votos na primeira volta. Nestas eleições presidenciais, o seu candidato, Hamon, conseguiu recolher apenas 6,35% dos votos. Menos do que Mélenchon, que em 2012 também se quedou pelo quarto lugar com 11,10% dos votos.

Se este colapso do bipartidarismo tradicional ocorrer também nas eleições parlamentares, que também serão em duas voltas, a 11 e a 18 de Junho, ficará claro que a França entrou numa situação política completamente nova e altamente volátil. E, como em todas as transições, veremos novas correlações de poder a sucederem-se, tanto na política como na sociedade. As linhas divisórias serão reposicionadas e redefinidas.

A UE nomeou diretamente o seu próprio candidato.

Nestas eleições presidenciais, Macron venceu à primeira volta. Quem é Macron? Um candidato independente vindo do nada. Sem um partido estruturado, ou partidos que o apoiem. E isso é algo que nunca tinha acontecido na política francesa do pós-guerra.

Mas, na verdade, Macron era o candidato menos independente de todos os que se apresentaram às eleições. Não foi apoiado por nenhum partido, porque foi nomeado diretamente e apoiado por toda a máquina da União Europeia, pelos bancos, e pelos mercados financeiros, que controlam a maior parte do sistema de comunicação social na França. É a primeira vez, num país europeu avançado, que um candidato ao cargo mais alto foi nomeado pelo cartel que governa a União Europeia. É um vislumbre de, como no futuro, se fará política nos países que estiverem sob o jugo da UE.

Dezenas de milhares de milhões de euros foram gastos pelo cartel bancário e pela União Europeia para que o seu candidato independente entrasse em casa de cada francês. E Macron não escondeu que ele é o candidato celebrado pela União Europeia. Também não escondeu que tem o apoio de Berlim. Além disso, ele deixou isso claro quando escolheu visitar a chanceler Merkel, em meados da campanha pré-eleitoral.

A máquina da UE e de Berlim chegaram ao ponto de atacar diretamente os candidatos que poderiam ter ameaçado o seu protegido. Foi o caso do escândalo de Fillon e do escândalo de Le Pen, em pleno período pré-eleitoral.

O cartel da UE ordenou literalmente que as autoridades judiciais e policiais francesas interviessem contra os dois candidatos. Isto foi feito publicamente contra Fillon pelas autoridades, investigando algo que poderia certamente ser investigado sem ser publicitado, pelo menos até que houvesse provas que justificassem uma acusação criminal. A qual, por estranho que pareça, ainda ninguém viu. Até porque, o que consta estar em causa, é um delito menor, a saber a sinecura da mulher por ele nomeada para um cargo público.

O mesmo aconteceu com Le Pen, onde, para além das acusações lançadas pelas autoridades da UE, vimos ataques policiais aos seus escritórios. Por quê? Porque, como acusou Bruxelas, ela usou o dinheiro da UE para financiar as políticas internas de seu partido. Algo que, literalmente, todos os partidos que estão representados no Parlamento Europeu fazem. Sem exceção. É até prática da própria Comissão Europeia financiar qualquer evento partidário dos partidos com presença no Parlamento Europeu, sem considerar se se trata ou não de questões europeias. Uma declaração oficial do partido é suficiente para a CE e é aceite sem qualquer hesitação ou confirmação adicional.

Se não tivesse havido intervenção da UE e sem a atmosfera de escândalo contra Fillon e Le Pen, promovida pelos média controlados, teria sido altamente improvável que Macron chegasse à segunda volta. Isto prova o elevado grau de penetração da UE-Berlim na situação em França.

Por outro lado, Le Pen decidiu encontrar-se com Putin no Kremlin – como reação ao encontro de Macron com Merkel -, a fim de obter sua unção oficial. Os média da UE criaram uma enorme campanha, dizendo que Putin se estava a envolver nos assuntos internos da França e da UE ao reunir-se com Le Pen.

Relatórios para todos os gostos preenchiam todos os tabloides e os jornais mais importantes dos média mainstream, reportando o envolvimento direto da Rússia através de hackers e de financiamento a favor de Le Pen. Tudo isto criou uma atmosfera mórbida com objetivos muito obscuros. É o clima político adequado para que o cartel oficial do governo possa acusar oficialmente qualquer um que os média mainstream apontem como sendo um peão de Putin. Desta forma, o cartel pode mesmo anular – se julgar necessário -, uma eleição desfavorável a Bruxelas e Berlim. A desculpa oficial já existe. O envolvimento ativo de uma potência estrangeira (Rússia) nos assuntos internos da França.

Obviamente, que a mesma lógica não é aplicada à Sra. Merkel, que tão proeminentemente apoiou Macron por todos os meios necessários. O Estado francês reconhece oficialmente que a Sra. Merkel e a Alemanha têm todo o direito de ter voz e de se envolver nos assuntos políticos do país. Em nome da integração europeia. E isto é inédito e nunca aconteceu, pelo menos esta amplitude em França, desde o regime de Vichy.

O Estado-nação emergiu como uma questão dominante

Mas, o mais importante, é que as eleições presidenciais em França elucidaram claramente a questão política predominante do nosso tempo e do futuro próximo. Defender o Estado-nação, ou destruí-lo em favor de uma Europa supranacional, em favor de um governo global. Nunca esta questão foi apresentada de maneira tão direta e profunda desde os tempos da Nova Ordem dos nazis.

E, desta vez, a preservação ou o fracasso do Estado-nação diz respeito a todos os sistemas políticos. Vimos isso acontecer no Reino Unido com o Brexit e, definitivamente, vamos ver o tema a dominar as próximas eleições parlamentares. Vimo-lo também a dominar as últimas eleições presidenciais nos EUA. Donald Trump convenceu uma grande parte do público americano de que é ele o campeão e o defensor do Estado-nação contra a globalização. Foi isso que o levou à Casa Branca. E agora, três meses depois de assumir o cargo, ele tem a menor popularidade que algum Presidente dos Estados Unidos já teve, desde 1945.

De acordo com uma pesquisa do Washington Post-ABC News, o presidente Donald Trump viu a sua popularidade, após os primeiros 100 dias na Casa Branca, ter uma queda recorde de 42%. Doze de seus predecessores tiveram uma média de 61% durante o mesmo período de tempo na Casa Branca. Tal deve ser interpretado, não como tendo sido causado pelas políticas que Trump preconizou no período pré-eleitoral, mas, pelo contrário, porque se está a provar que ele sempre esteve identificado com o tipo de políticas que denunciou anteriormente. O único aumento da popularidade de Trump regista-se apenas nos média mainstream que, de seus inimigos jurados, se transformaram em seus entusiásticos admiradores. Especialmente depois do ataque contra a Síria e Rússia.

As eleições presidenciais em França são as primeiras a demarcar tão claramente a linha divisória entre os inimigos jurados do Estado-nação e aqueles que defendem a necessidade de que ele exista, a fim de poder existir uma democracia para o povo. Especialmente para a França, a questão-chave é a seguinte: um novo regime de Vichy com vista à assimilação da França pela EU, ou não? Esta questão básica será, a partir de agora, a questão central de todos os acontecimentos sociais e políticos em França. E isso não só devastará o sistema político em França, mas literalmente esmagará todos os partidos ou forças políticas que se recusem a responder, aberta e claramente, a essa questão básica.

Deste modo, a França fecha definitivamente o círculo histórico da chamada Quinta República, que nasceu através de um golpe de Estado parlamentar realizado por Charles de Gaulle com a publicação da Constituição francesa de 4 de Outubro de 1958. E, assim, o país inteiro volta atrás. Volta às questões fundamentais que não resolveu, nem respondeu após o colapso do antigo regime de Vichy e a sua libertação do nazismo.

A União Europeia contra a nação francesa

O deslizar oficial da França, em primeiro lugar para uma política de conciliação com o fascismo e o nazismo e, em seguida, para uma cooperação com a Alemanha nazi foi baseado na procura de uma Europa unida. A política de conciliação foi expressa principalmente pelo plano de Aristide Briand para a construção de uma Federação Europeia, que foi apresentado, pela primeira vez, num discurso proferido em 5 de setembro de 1929, durante a décima Assembleia Geral da Sociedade das Nações, em Genebra.

O povo francês, e especialmente os trabalhadores franceses, bem como os camponeses pobres, responderam com massivas mobilizações, greves e ocupações de fábricas, para reivindicar a unidade não da Europa, mas da Nação Francesa, com base numa social-democracia segundo as reivindicações revolucionárias de 1789, 1848 e 1871. Queriam livrar-se, de uma vez por todas, da Terceira República, que se erguera sobre as ruínas da Comuna de Paris e sobre os cadáveres de dezenas de milhares de Comuneiros executados em 1871.

Joseph Barthélemy, jurista e político proeminente, escreveu em 1924 que:

“A Constituição democrática de 1875 foi o produto de uma Assembleia Monárquica”, que criou um sistema político com todas as características do absolutismo, onde as eleições eram meramente um meio de legitimar a arbitrariedade do poder. Enquanto o “povo não tinha nada a ver” com o governo, com a formulação e revisão da Lei e da Constituição.

O soberano não era o povo, mas o executivo e os dois órgãos legislativos, pois, mesmo quando violavam a Constituição com leis e decisões, tudo o que um cidadão podia fazer era obedecer totalmente. A Lei acima de tudo, mesmo que ela contradiga completamente a Constituição existente. (Ver Joseph Barthélemy, O Governo da França, Londres: George Allen & Unwin, 1924, pp. 17-24)

O próprio Joseph Barthélemy justificou plenamente a filosofia política da Terceira República quando se sentiu obrigado a servir como ministro da Justiça no regime de Vichy. Em nome da continuidade do Estado francês de facto e, naturalmente, da preservação da Lei e da Ordem!

A Terceira República sufocou literalmente as massas populares. As pessoas foram consideradas como sujeitos e não propriamente como cidadãos. A Nação era representada pelas instituições do poder, pelo Estado e pelas suas Leis. Assim, quando o governo enviou as pessoas para o matadouro da Primeira Guerra Mundial para lutar, e depois da guerra condenou os trabalhadores, camponeses e pequenos e médios empresários a uma situação de incrível pobreza e dívida, as massas disseram basta. Não queremos mais tal República.

Os ventos da grande Revolução Francesa começaram a soprar de novo. A Nação não é o Presidente e o governo. Nem a legislatura nem as instituições do poder. A Nação somos nós, o povo. E consequentemente, o Estado e as suas instituições deveriam servir ao povo e não o contrário. A Terceira República estava a enfrentar um colapso total. O Plano Briand para uma Federação Europeia foi a resposta dada pelas classes dominantes da Terceira República, a esta terrível perspetiva. Resposta dada ao regresso do período revolucionário à nação francesa.

Em 1936, um slogan abalava os locais de trabalho e as províncias rurais pobres: “Viva a união da nação francesa – contra as 200 famílias que saquearam a França” (Daily Worker, 27 de abril de 1936). Este slogan tornou-se o grito de guerra da Frente Popular (Front Populaire, uma cooperação política de comunistas, socialistas e radicais) que acabou por ser governo.

Desde a sua fundação, em 1806, que o Banco de França (Banque de France) estava sob o controle de um conselho eleito pelos seus 200 maiores acionistas privados. Esses acionistas, dominados pela renomada família dos irmãos Rothschild e quejandos, foram corretamente identificados pelos pobres, como sendo os responsáveis ​​pelas desgraças que os atingiam. Assim, criou-se o slogan popular das “200 famílias que controlam a França”. Já que os pobres, à época, sabiam por experiência o que muitos líderes partidários, mormente à esquerda, ainda hoje se recusam a compreender. Quem, na prática, possui o banco central e emite a moeda, objetivamente controla toda a economia. E assim as “200 famílias” personificaram, para as pessoas simples, toda a praga de problemas que sobre elas tinham caído, como as dívidas esmagadoras e a recessão de longo prazo.

A vitória da Frente Popular nas eleições de 3 de maio de 1936, com 64% dos votos, privou as “200 famílias”, as instituições que as apoiaram e a extrema-direita nacionalista, do direito de falar em nome da Nação Francesa. A razão de Estado deixou de ser com as “200 famílias”, mas passou a ser com os operários, com os camponeses pobres e com os pequenos empresários, que sofriam sob o jugo da oligarquia financeira e o estado arbitrário da Terceira República. A Nação exigia democracia, cancelamento da dívida, pão, paz e trabalho.

Mas, como a Frente Popular era uma coligação de líderes, sem uma organização independente que surgisse do seio do próprio povo, ela dependia quase inteiramente de compromissos ao nível do topo. As grandes greves, as ocupações das fábricas, a mobilização das aldeias, desencadeadas pelo surgimento da Frente Popular, não só aterrorizaram a classe dominante, mas também as lideranças dos partidos integrantes da própria Frente. Eles não tinham confiança na iniciativa e na dinâmica das massas populares, de modo que se limitaram a uma política de conciliação entre as massas – que, instintivamente, sabiam muito bem que, se não se livrassem das “200 famílias”, nada no essencial iria mudar -, e a classe dominante. Deste modo, o governo da Frente permitiu à oligarquia manter as posições-chave que mantinha no sistema de poder.

As “200 famílias” não perderam o controlo do Banco da França, de modo que afogaram o governo de Bloom, o governo da Frente Popular, em dívidas, dinheiro gerador de inflação. A oligarquia sabia que, mantendo nas mãos a criação de dívidas e dinheiro, mesmo que todos os meios de produção fossem nacionalizados ou socializados – como preferiam os socialistas radicais – isso não teria consequências práticas. O verdadeiro poder ainda estaria nas suas mãos. Assim, os aumentos salariais, os direitos dos trabalhadores e outras intervenções do governo Bloom em favor do operariado foram varridos muito rapidamente.

A União Europeia contra os povos

Apesar do fracasso final e do colapso da Frente Popular, os sentimentos de pavor da classe dominante permaneceram. Em 1936, sob a ameaça da Frente Popular, numa reunião de um grupo de reflexão francês, com grande influência nos círculos burgueses da França, a Ligue dos Direitos Humanos, um dos participantes descrevia o seguinte cenário:

Imaginemos o pior, de uma forma simplista, até mesmo improvável, de que uma só nação conquista todas as outras. Imaginemos a Europa conquistada pela Alemanha. Bem, sugiro que uma Alemanha desse modo alargada a toda a Europa deixaria de ser a Alemanha que conhecemos…seria a Europa sob um nome diferente: uma Europa unificada. Ou melhor, não seria nem a Europa de hoje, nem a Alemanha de hoje, mas outra coisa; A confederação europeia do futuro. (Citado por M.L. Smith, Introduction: European Unity and the Second World War, M.L. Smith and Peter MR Stirk, eds., Making the New Europe: European Unity and the Second World War, (London and New York: Pinter Publishers, 1990), p. 16).

Foi esta a perspetiva que passou a dominar a ordem oficial da Terceira República, a perspetiva de uma Europa unida – mesmo sob o poder militar do hitlerismo – e que criou o fundamento sobre o qual foi construída a colaboração com o fascismo e o nazismo.

Assim, a colaboração da França com o Eixo, entre 1938 e 1945, centrou-se na conceção da unidade europeia. As ideologias dos que colaboraram com o Eixo, bem como as suas visões europeias, variaram – da esquerda radical à extrema-direita nacionalista, podendo ser agrupadas em três grandes categorias: europeísta, nacionalista e fascista pura.

Os europeístas, defensores da colaboração com o Eixo, como Marcel Deat, Jean Luchaire e Raymond De Becker, eram geralmente ex-federalistas europeus de inspiração socialista que achavam que Hitler criaria uma Nova Ordem Europeia transnacional que incorporaria muitos dos ideais pré socialistas. O facto de o Eixo erradicar a demarcação nacional entre os Estados-nação na Europa – mesmo que de forma bárbara -, para o benefício de uma Europa transnacional, constituía para os europeístas, especialmente para os de esquerda, um objetivo a prosseguir. E, por conseguinte, os europeístas, mesmo sendo de extrema-esquerda, tinham que trabalhar em conjunto para assegurar a transformação no socialismo de amanhã do novo ordenamento transnacional da Europa.

Colaboradores nacionalistas, como o Marechal Pétain, Alexander Gkalopin e Robert Poulet, consideraram que a cooperação com a Alemanha nazi era do interesse nacional da França, a fim de evitar o risco de a ordem estabelecida ser perturbada, com a plebe exigindo uma democracia onde o cidadão anónimo e as pessoas de todas as classes sociais desempenhariam um papel dominante. Para os nacionalistas, a Nova Ordem era apenas a União Europeia que asseguraria conjuntamente, em cada país, a Lei e o Estado, as instituições, os únicos traços que representam a Nação. Por vezes, contra as pessoas quando estas se mostrassem indisciplinadas, ou fossem fonte de agitação.

Os colaboracionistas fascistas, como Jacques Doriot e Leon Degrelle, assumiram a unidade europeia em termos de solidariedade racial entre os estados fascistas e nazis.

Estas três tendências, tendo em comum a imposição de uma União Europeia supranacional, abriram o caminho para a derrota ignominiosa da França, em face do ataque relâmpago da Alemanha nazi, lançado em 10 de maio de 1940. Em 22 de junho, o segundo armistício foi assinado em Compiègne entre a França e a Alemanha, o que levou à divisão da França. A Alemanha ocupava o Norte e o Oeste, a Itália ficou com o controle de uma pequena zona de ocupação no sudeste da França. Enquanto no sul, foi criada uma zona livre, que passou a ser controlada por um governo oficialmente neutro, em Vichy, liderado pelo Marechal Philippe Pétain.

Henry de Montherlant, proeminente figura da intelectualidade do regime da Terceira República, e poeta bastante popular nos círculos oficiais antes e durante o período de Vichy, descreveu a guerra nazi para a imposição de uma Europa unida como uma “luta heroica da nova civilização europeia contra os europeus de baixa estirpe” e celebrou a conquista da França pela Alemanha no seu livro Le solstice de Juin. O solstício de junho foi a capitulação da França perante os alemães nazis, em junho de 1940. (Ver Philippe Burrin, France Under the Germans: Collaboration and Compromise, (New York: New Press, 1996), pp. 344-346.)

As características da aliança entre europeístas, nacionalistas da extrema-direita e fascistas incondicionais, com o objetivo comum de criar uma Europa unida, ficaram bem retratadas em caricaturas.

Esta caricatura foi publicada em 20 de dezembro de 1941 na capa da revista colaboracionista francesa Je suis partout. A caricatura mostra a França pronta para juntar-se à família europeia, guardada pela Itália fascista e pela Alemanha nazi e cercada por uma série de outros países europeus sob ocupação.

A França queria juntar-se à família europeia, mas três mãos escuras e robustas ainda a agarravam pelo braço. Os judeus, com a emblemática estrela de David. Os maçons, com os seus compassos opostos, e os franceses livres que lutavam contra os nazis e contra o regime de Vichy com a cruz característica da Resistência nacional francesa.

O produto mais fecundo desta aliança para uma Europa unida foi o euronazismo, uma tendência que ajudou os nazis a formar as divisões da Waffen SS recorrendo a recrutamentos forçados em toda a França e em toda a Europa ocupada. O seu principal grito de guerra era a luta por uma Europa unida. E, leal a este lema, a divisão francesa da Waffen SS, Charlemagne, lutou até ao último homem para defender o Reichstag e o bunker de Hitler contra o Exército Vermelho. Isto, no momento em que até a Wehrmacht já tinha deposto as armas.

Se estivéssemos em condições semelhantes às vividas durante o Terceiro Reich, tenha o leitor a certeza de que, nas frentes de batalha da divisão Waffen SS da França, encontraria facilmente gente como Macron. Além disso, só graças aos comunicadores profissionais fornecidos pelos chefes da UE para a campanha Macron, foram vistas nos seus comícios bandeiras francesas ao lado de bandeiras da União Europeia. Macron, ele próprio, gostaria muito de ter usado apenas as bandeiras da UE, mas o eleitor francês médio ainda não está preparado para aceitar isso. Assim, foi com relutância que ele repetiu na noite da vitória, Vive la France!  Exatamente com a mesma pronúncia com que outros como ele, e antes dele, gritaram o mesmo slogan para reconhecer o regime colaboracionista de Vichy. Eles queriam dizer o que Macron quer dizer hoje. A França pertence inteiramente ao cartel da UE.

O regime de Vichy reina e conquista em França

Os franceses, lutando com bravura, e a luta da Resistência aniquilaram os planos da Europa unida. O legado mais imediato e duradouro da Resistência para a França do pós-guerra foi o programa de reforma social e económica, subscrito pelo Conselho Nacional de Resistência (CNR) em março de 1944. Foi a manifestação explícita da Nação francesa real, contra a Nação colaboracionista.

Este programa, que ficou conhecido como o “Mapa da Resistência” tinha o propósito imediato de intensificar a luta pela independência nacional e um objetivo de longo prazo de manter a independência nacional da França após a guerra. Aos planos de uma Europa unida, o CNR e a totalidade dos grupos de resistência, partidos políticos e sindicatos que se uniram à sua volta, responderam com a independência nacional e soberania da nação francesa, o que, à época, era consensual para todos, e estava de acordo com a vontade do povo francês.

A independência nacional era determinada, não apenas em termos de política externa convencional, mas também em termos de políticas económicas e sociais internas. Daí que o próprio Estado tivesse que ser libertado dos monopólios económicos e políticos, que dominavam a Terceira República. Para tal, deveriam ser nacionalizados os monopólios naturais, como a energia e os combustíveis, e as principais instituições de crédito e seguros. A começar pelo Banco de França.

Tal iria facilitar a expansão da produção interna, que resultaria de um plano elaborado através da consulta a todos os envolvidos no processo de produção. Da mesma forma, as mulheres deveriam deixar de ser escravas face ao trabalho, à sociedade e à política, pelo que o direito de voto lhes foi atribuído pela primeira vez. As reformas sociais incluíam o direito garantido ao trabalho e ao tempo livre, um padrão de vida mínimo garantido e a restauração das liberdades sindicais que tinham sido suprimidas pelo governo de Vichy. Tudo isto, ancorado naturalmente num sistema de segurança social abrangente.

Os trabalhadores da agricultura deveriam ter os mesmos direitos e condições de trabalho que os trabalhadores da indústria. Tal seria alcançado principalmente por meio de uma política de preços baseada na Agência Nacional do Trigo, criada pelo governo da Frente Popular em 1936.

Finalmente, todos esses direitos políticos, económicos e sociais, não só deveriam ser implantados na França metropolitana, mas em todos os países e territórios do antigo Império Francês. O facto de todas forças políticas, exceto os de Vichy, terem assinado este programa fez do mapa da CNR um documento único na história francesa. Inigualável até hoje.

O único problema é que ele nunca se destinou a ser aplicado. Ficou para lembrar a visão das forças de unidade democráticas da nação francesa, surgindo como o resultado da guerra e da resistência nacional, não só contra o nazismo, mas também contra os planos para uma Europa unida.

Charles de Gaulle, com seu predomínio na cena política francesa, não só “esqueceu” toda a Carta da Resistência, que assinara, mas também fez todos os esforços para preservar o espírito e o significado do regime de Vichy. Ele assumiu o nacionalismo do Marechal Pétain como a ideologia dominante de seu próprio governo. A única diferença em relação ao nacionalismo de Pétain era a vocação imperial do próprio Charles de Gaulle. Ele acreditava que, estando a sua França entre os vencedores da guerra, era mais fácil para ele dominar a evolução futura do percurso para uma Europa unida. Uma Europa unida que, não só poderia expandir a esfera de influência colonial e política de De Gaulle, mas também expandir o âmbito do prestígio imperial do seu regime entre os europeus. Em vez de se arrastar atrás da Alemanha, como Vichy fizera durante a guerra.

Em consequência, o colaboracionismo europeísta do regime de Vichy sobreviveu nos planos de Monnet e Schumann para uma Europa unida. A verdadeira causa da Segunda Guerra Mundial para os nazis – a criação de uma União Europeia contra os Estados-nação da Europa -, tornou-se o álibi para os novos planos para a construção da União Europeia. E, em primeiro lugar, para o surgimento do novo eixo franco-alemão.

Especialmente depois da imposição da Constituição de 4 de outubro de 1958, em que o Presidente francês, como instituição, passou a acumular tantos poderes nas suas mãos, como aqueles que permitiram que o Presidente eleito da República, Louis Bonaparte, se proclamasse Imperador em 1852, dissolvendo o parlamento. Desta forma, o Presidente declarou ser o espírito da nação e, portanto, todas as manifestações de absolutismo e arbitrariedade da sua parte seriam devidas à preservação do próprio espírito nacional. Elas decorreriam da própria existência da nação, nação que mais uma vez passou a estar divorciada do povo francês.

O novo regime de Vichy pode ser derrubado?

Hoje, a mentira em que a Quinta República se fundou chegou ao fim. As máscaras caíram. O europeísmo já não tenta mais manter o espírito de Vichy na clandestinidade, espírito esse sempre omnipresente no próprio tecido do regime presidencial, quer sob o disfarce do gaullismo ou – o seu alter-ego -, o Mitterandismo. Hoje em dia, o europeísmo está, às claras, a tentar reviver o próprio regime de Vichy em França. Com um consenso bipartidário semelhante entre a direita e a esquerda tradicional. Primeiro, e principalmente, através dos candidatos propostos como Macron que, se eleito presidente, devido ao consenso europeísta bipartidário, porá à prova ao máximo a coerência da nação francesa. De uma forma nunca antes vista na sua história.

E pode Le Pen ser um antídoto contra o novo regime de Vichy? Nem de perto nem de longe. E não é só pelo facto de ela apenas estar a tentar voltar à era de Gaulle. A Quinta República, que produziu a França contemporânea, está já morta e enterrada. Ninguém pode ressuscitá-la. A não ser como farsa ou como tragédia deplorável para a nação francesa. Hoje, os resquícios institucionais e políticos que ainda sobrevivem da Quinta República, só ajudam a obscurecer os verdadeiros problemas e são usados pelas forças que querem ver a nação francesa desaparecer no crisol europeu, à custa de um mortal processo reacionário. Como o que foi planeado pelos nazis.

A França oficial já capitulou perante o cartel bancário e a oligarquia financeira do país depende totalmente nos seus negócios, lucros e existência da União Europeia. A prova disso é a análise da posição líquida do investimento internacional da França. Em comparação com a Alemanha e com o Reino Unido.

A França está irrevogavelmente transformada numa anfitriã do capital estrangeiro. Especialmente depois de entrar na zona do euro. E essa entrada líquida de capitais depende em larga medida da Alemanha, que se tornou numa das principais economias exportadoras de capital. Graças principalmente à criação da zona euro.

A França não tem sequer os atributos dos britânicos para reverter essa tendência. O Reino Unido tem um dos principais mercados financeiros globais. Além do próprio peso da Grã-Bretanha na economia global por causa da Commonwealth e das suas relações próximas com os EUA. É por isso que, a partir de 2014, assistimos a uma reversão radical de tendência no Reino Unido. E, de uma economia importadora líquida de capitais, o Reino Unido, em 2016, converteu-se num país exportador líquido de capitais. Algo que não foi irrelevante, no fortalecimento da posição entre a elite britânica, da decisão de deixar a UE.

Ora, tal não pode ocorrer em França, sem uma reconstrução radical do Estado e da economia. A conversão da França num país importador líquido de capitais, com a Alemanha à cabeça, favoreceu uma terrível hiperinflação da dívida, principalmente privada. O rácio dívida privada / PIB em França aumentou de 225,5% para 228,9% entre 2014 e 2015. O rácio dívida privada / PIB em França situou-se no valor médio de 193,1% no período entre 1995 e 2015, atingindo um valor recorde em 2015, quando em 1995 era apenas de 162,8%, o valor recorde em termos de limite mínimo.

Isto significa que a economia privada francesa não pode funcionar sem acumular enormes dívidas. E isso, por sua vez, leva a que o sistema financeiro em França tenha uma dimensão desmesurada. De acordo com os dados mais recentes da Federação Bancária Europeia (EBF), o sector bancário em França é o maior da UE, sem contar com o Reino Unido. Em 2016, o total dos ativos bancários em França ascendeu a mais de 8,1 triliões de euros. O PIB da França, no mesmo ano, ascendeu a preços correntes a um pouco mais de 2,1 triliões de euros.

Dito de outro modo, o setor bancário em França é quatro vezes maior do que o produto agregado anual de toda a economia francesa. Isto significa que a principal “indústria” da economia francesa é a usura bancária. Para manter esta hiperinflação bancária não é suficiente aumentar a dívida pública e privada. A França é obrigada a manter-se como país anfitrião dos fundos da Alemanha e da UE, logo como economia da área do euro. A UEM é absolutamente necessária para uma economia parasitária baseada principalmente na usura. Porque nunca a França pode dar-se ao luxo de resgatar sozinha esta monstruosa expansão do sistema bancário.

É por isso que a França não pode deixar a zona euro sem deixar os grandes bancos irem à falência, sem qualquer compensação para os investidores e para os banqueiros. A França não pode deixar a zona euro sem um haircut nas dívidas públicas e privadas. E qual é a proposta de Le Pen? Nenhuma. Fecho-ecler. Nem uma palavra. Em vez disso, ela diz que a transição da França para o franco permitirá fortalecer os bancos e pagar dívidas com a nova moeda nacional. Algo que não pode ser feito sem a França se expor à mórbida extorsão dos investidores e dos banqueiros.

A proposta de Le Pen, que consiste em pagar as dívidas e pagar aos bancos com o novo franco, indicia àqueles que conhecem a economia política do problema, que a FN não é séria quando propõe que a França deixe o euro e a UE. Está a usar o slogan de “deixar euro” como um bicho-papão para assustar Bruxelas e Berlim. Está a fazer como De Gaulle, que se lembrava da soberania da nação francesa sempre que tinha um momento difícil no percurso da integração europeia. Le Pen acredita que, agitando o slogan do bicho-papão, pode trazer o cartel do euro para a mesa, a fim de renegociar uma relação especial com a zona do euro e com UE, em benefício da França imperial. Algo que, aparentemente, os sobreviventes do velho regime e do estado gaullista desejam atingir. O problema é que, hoje, tal não é realizável.

Em suma, qual é o significado de tudo isto? Algo extremamente simples. A própria sobrevivência da França, especialmente da nação francesa e do próprio povo, depende do regresso à Carta da Resistência. Dentro do labirinto de problemas resultantes do processo de assimilação de um Estado soberano como a França pela União Europeia, apenas novas forças políticas que tenham como ponto de partida a Carta da Resistência podem ter futuro. Poderão, uma vez unidas, trabalhar essencialmente entre os trabalhadores e os intelectuais, para tentar impor à oligarquia financeira os termos da independência nacional e da democracia de acordo com as tradições revolucionárias da nação francesa. Esta é a única saída para o povo simples, para o povo trabalhador.

 Dimitris Kazakis

 

Artigo original : 

What Exactly Did the French Vote for? The European Union against the French Nation, Global Research, 27 de Abril de 2017.

Tradução : Júlio Gomes (Docente na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal, atualmente reformado.) 

 Dimitris Kazakis é secretário-geral da Frente de Unidade Popular da Grécia, EPAM.


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